Sonia Karin Chapman lança seu olhar sobre o agro de maneira especial quando, ao contrário de pontuar questões, expande argumentos que despertam reflexões. Ela é Diretora da Chapman Consulting, Administradora de Empresas, com ênfase em Finanças, especialização em Sustentabilidade e Responsabilidade Social e tem o dom de enlaçar e integrar formas diferentes de se discutir os papéis e comprometimentos individuais e coletivos de todos os envolvidos com o agronegócio.
Em sua coluna no Portal Mundo Agro Brasil – MAB – Sonia traz à superfície muitos aspectos que, corriqueiramente, são ‘esquecidos’ ou não mencionados na mídia sob suas diversas perspectivas. E ao longo de sua carreira, ela vem atuando em várias frentes: foi Auditora externa na PriceWaterhouse, seguindo carreira internacional no Agronegócio da BASF, assumiu a função de Presidente da Fundação Espaço ECO e geriu a área de relacionamentos em Sustentabilidade da Braskem. É também Mentora da Universidade de Cambridge e Conselheira da Audencia (Nantes, França), onde leciona Sustentabilidade em MBA Internacional do Agronegócio. Desde 2017 é Diretora Executiva da Rede Empresarial Brasileira de Avaliação de Ciclo de Vida (Rede ACV).
MAB – Pode nos contar quando e de que maneira surgiu em você uma consciência sobre preservação ao meio ambiente?
Sonia Chapman – Quando compartilhei com meus amigos na escola que nos mudaríamos ao Brasil, disseram que eu viveria em árvores, com macacos. Eu tinha 8 anos e, claro, acreditei. Aproximando-nos para o pouso em Congonhas (São Paulo) lembro que olhava pela janela do avião e só via prédios e mais prédios, avenidas e carros e fiquei preocupadíssima: “Onde vamos morar?”. Sempre acampávamos nos finais de semana. Sou de uma geração que subia em árvores, ficava fascinada ao observar a terra vermelha e as pequenas criaturas no jardim, tão diferentes da Argentina, onde nasci.
MAB – Acredita que as “ações” das empresas ligadas ao agronegócio são significativas o suficiente hoje?
Sonia Chapman – O Agro do Brasil tem um conjunto de normas e de boas práticas referência para o mundo. Precisamos comunicar melhor, para dentro e para fora do país.
MAB – É possível haver uma conexão quase perfeita entre sustentabilidade e negócios no Agro?
Sonia Chapman – O agricultor tem na sua propriedade a “fábrica” para produzir e conseguir o sustento, imediato e para as futuras gerações. Se não explorar os recursos de forma sustentável não os terá por muito tempo. Ações de recuperação e preservação do solo, da água, da fauna e flora, mas também de relacionamento com a comunidade, de resgate e promoção das origens, da cultura, planos de sucessão – são exemplos de ações afirmativas da sustentabilidade, do pensar longo prazo, da corresponsabilidade.
MAB – O Brasil tem cumprido sua parte na busca por energia limpa?
Sonia Chapman – De todos os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, firmados em 2015, também conhecidos como Agenda 2030, o sétimo “Assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos” é o que o Brasil está mais avançado.
Energias limpas são as que não liberam, durante seu processo de produção ou de consumo, resíduos ou gases poluentes geradores do efeito estufa e do aquecimento global. “Energias modernas” são as novas energias limpas e renováveis, que provocam menor impacto no meio ambiente e menor emissão de gases de efeito estufa, substituindo as antigas, como lenha, carvão, petróleo etc.
Entretanto, a guerra na Ucrânia demonstrou à Europa, a sua dependência de energia de origem fóssil da Rússia, trazendo o debate sobre o quanto a população está, de fato, favorável a abrir mão de energia barata, para não seguir financiando o conflito. São dilemas morais, evidentemente, e de subsistência, pois a função da energia ali é diferente da nossa, e a pobreza também é uma realidade por lá.
MAB – A consciência individual dentro de um conceito de ‘melhor’ convivência com o meio ambiente vem das pequenas coisas?
Sonia Chapman – Eu não diria “pequenas” coisas, mas sim “diárias”, pois é importante demonstrarmos compromissos constantemente, não apenas no dia ou mês de celebração oficial de determinada pauta. Ter uma postura crítica, começando por refletir sobre nossas próprias ações, é o mais importante e, também, o mais raro de se ver atualmente.
“Acredito que o Agro brasileiro tenha um papel fundamental para alimentar o mundo, hoje e no futuro, avançando na introdução de boas práticas, e sabendo comunicar sua contribuição ao Desenvolvimento Sustentável”
MAB – Na sua opinião, adequar práticas agropecuárias à tecnologia e biotecnologia pode resultar num futuro mais saudável para o nosso planeta?
Sonia Chapman – Qualquer tecnologia precisa ser avaliada à luz do processo como um todo, comparando alternativas numa mesma função (objetivo). O nome dado a este olhar integrado de impactos ambientais é Pensamento de Ciclo de Vida, onde levamos em consideração a extração de matérias-primas, o processo de beneficiamento, de produção, consumo e descarte, ou início de um novo ciclo. Uma tecnologia favorável “dentro da porteira” não contribuirá para um planeta mais saudável, se gerar impactos negativos antes ou depois dela – no todo, ela terá sido ruim. Às vezes, temos que escolher pelo “menos ruim” naquele momento, promovendo ao mesmo tempo a pesquisa e introdução de algo que efetivamente será melhor, no todo.
MAB – Qual fase da sua carreira apresentou maiores desafios dentro desse contexto – desenvolvimento x lucratividade x respeito ao meio ambiente?
Sonia Chapman – Tive a oportunidade de transitar em organizações com culturas totalmente distintas, em países e áreas de atuação, em realidades novas e desafiadoras, como mulher e estrangeira, como Administradora, num mundo de Agrônomos.
Surpreender positivamente sempre foi algo que me motivou e energizou!
MAB – Acredita que existam ‘vilões’ da natureza no setor da pecuária ou depende da forma como se atua na criação e comercialização dos animais?
Sonia Chapman – Em qualquer setor, no mundo todo, em qualquer cidade e município, em qualquer família ou condomínio, sempre haverá indivíduos menos preocupados com a pegada ambiental que geram. A questão é compreender por que tem esta atitude, se podemos fazer algo para mudá-la, e como. Às vezes, falta conhecimento, informação. Outras, meios, e não me refiro apenas aos financeiros. Mas, na maioria destes casos, falta comprometimento, senso crítico e consciência da responsabilidade que todos compartilhamos, com este planeta, todos os seres vivos nele, e as futuras gerações.
“Vejo no Agro fascinantes possibilidades de se redefinir modelos de negócio tradicionais, especialmente à luz dos grandes desafios, como perdas e desperdícios de alimentos, mudanças climáticas, escassez hídrica, migração e o almejado aumento do desenvolvimento humano”
MAB – Para você, estamos à mercê da globalização? Ou há maneiras de o agronegócio mostrar sua força benéfica junto à segurança alimentar e abastecimento mundial?
Sonia Chapman – Fiz o meu Trabalho de Conclusão de Curso sobre a Terceirização da Logística do McDonald’s. A globalização da cadeia de fornecimento era a peça-chave para assegurar a consistência dos produtos oferecidos em qualquer parte do mundo. A introdução de um rigoroso sistema de definição e acompanhamento da produção, do armazenamento e da entrega dos diferentes componentes, o treinamento na produção e montagem dos lanches, tudo lembrava uma orquestra, perfeitamente sincronizada.
Atualmente vemos a emergência de um movimento de desglobalização, buscando dependermos menos uns dos outros, especialmente à luz de interrupções de importantes cadeias de fornecimento, de microchips para o setor automotivo e de eletroeletrônicos a fertilizantes.
A pandemia e a guerra na Ucrânia estão promovendo profundas mudanças em uma série de frentes.
Vemos ações, como o Plano Nacional de Fertilizantes, lançado recentemente, promovendo tecnologias para um uso mais racional, investimentos em inovações, introdução de alternativas para a mesma função.
Acredito que o Agro brasileiro tenha um papel fundamental para alimentar o mundo, hoje e no futuro, avançando na introdução de boas práticas, e sabendo comunicar sua contribuição ao Desenvolvimento Sustentável.
“Ter uma postura crítica, começando por refletir sobre nossas próprias ações, é o mais importante e, também, o mais raro de se ver atualmente”
MAB – Como você descreveria o seu olhar sobre o Agro?
Sonia Chapman – Tenho profundo respeito e admiração pelo Agro, e quero contribuir para o reconhecimento que merece, tanto dentro, como fora do Brasil. Como Administradora de Empresas sempre olho o todo, as interrelações, os riscos e as oportunidades. Como profissional de Sustentabilidade, vejo uma grande dificuldade nas organizações em geral em buscarem alcançar objetivos através de parcerias, especialmente aquelas que conectam elos da cadeia de valor, que estejam distantes, temerosos até, de estabelecerem contatos. Vejo no Agro fascinantes possibilidades de se redefinir modelos de negócio tradicionais, especialmente à luz dos grandes desafios, como perdas e desperdícios de alimentos, mudanças climáticas, escassez hídrica, migração e o almejado aumento do desenvolvimento humano.
MAB – Fale como, quando e por que surgiu a Chapman Consulting
Sonia Chapman – Após 25 anos de carreira corporativa, com funções e projetos incríveis no Brasil, Estados Unidos, Japão, na Europa, Índia e outros países, me desafiei a ter a minha própria empresa de consultoria em gestão, para compartilhar o meu conhecimento no Agro e em Água e Saneamento, setores muito carentes de comunicação, articulação e consciência de sua contribuição à Sustentabilidade.
Considero muito importante conhecer os desafios e as soluções de diferentes setores, atores e países, pois podemos aprender muito com os acertos e os fracassos, que normalmente são menos divulgados.
Cada país, cultura, organização, pessoa tem a sua forma de lidar com críticas: alguns são mais diretos, outros mais elegantes e menos invasivos. Qual estilo promove mais a Sustentabilidade? Todos, combinados, mesmo os mais difíceis de “encaixar”, como um grande quebra-cabeças que só faz sentido quando montado.
Por Mara Iasi/Redação Portal Mundo Agro Brasil
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