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Seleção e Padrões Raciais, Discricionariedade e Interferência Associativa, um Caso Real!

O padrão racial é uma referência ou uma imposição? Quais são os meios para se chegar nele? Esses meios são limitados de que forma?
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Muitas são as discussões a respeito do tema que vou tratar. Existem diversas abordagens e maneiras de encarar a seleção de uma raça, nos limites de uma Associação, e vários são os modelos de sucesso pelo mundo. Pretendo neste artigo suscitar alguns questionamentos sem me eximir de expor meu ponto de vista.

Até que ponto há liberdade de seleção pelo criador de uma raça? Até onde pode ir sua livre vontade, suas preferências pessoais em termos de seleção em uma raça?

O padrão racial é uma referência ou uma imposição? Quais são os meios para se chegar nele? Esses meios são limitados de que forma?

William E. Jones em seu livro ‘Genética e Criação de Cavalos’, sabiamente nos ensina que o “verdadeiro criador de cavalos orienta sua criação por toda a vida na tentativa de criar ou preservar um cavalo perfeito”. Mas quem estabelece o padrão de perfeição?

Na Europa, boa parte das associações de criadores de raça trabalha no modelo de livro aberto e seleção por desempenho, ou seja, desde que o animal se enquadre no modelo funcional e morfológico esperado para a raça ou traga relevante contribuição a ele, pode ser aprovado pelos técnicos da associação e ser usado na reprodução dentro da raça. A discricionariedade do criador é NENHUMA!

No Brasil, entretanto, a grande maioria das associações de raça trabalham com um modelo de livro fechado, isto é, desde que o animal seja produto de animais previamente atestados como puros, e esteja minimamente enquadrado dentro de certos padrões, pode ser usado ao gosto dos criadores como acharem por bem, ou seja, nesse modelo, a discricionariedade do criador em sua seleção é GRANDE, e talvez por isso mesmo, muitas vezes os criadores têm certa resistência em aceitar critérios de seleção, imaginando-se desgarrados, desalinhados do próprio farol que orienta ou deveria orientar suas barcas de seleção; afinal, é para isso que existem as Associações de Raça.

Ora, no mar, a desobediência em seguir as orientações do farol tem como consequência o naufrágio dos barcos. Nos criatórios, muitas das vezes, o destino é o mesmo!

Vou ilustrar toda problemática com um caso prático e real que pude viver e ver pessoalmente seu desenrolar.

Alguns anos atrás, quando integrava o CDT da ABCCRM, eu tive a honra de ajudar a recriar uma famosa ferramenta de seleção na Mangalarga, o lendário selo RTPF (Reprodutor Testado em Prova Funcional). Tratou-se da releitura de uma prova criada algumas décadas atrás, onde os garanhões que obtivessem sucesso nela teriam estampados em seus registros definitivos as iniciais RTPF, um selo de garantia contra fragilidades comportamentais e taras físicas – infelizmente tão comuns hoje em dia.

Cavalos avessos ao serviço, de índole débil, membros frágeis, portadores de doenças congênitas como Hemiplegia Laringiana são uma epidemia! A cura dessa epidemia já é conhecida por criadores e selecionadores tradicionais há muito tempo: Sela e canivete! Ou seja, seleção funcional e eliminação da reprodução de indivíduos inadequados.

Infelizmente o final da história acima descrita, tão lembrada e clamada anteriormente nos bastidores por muitos criadores, não foi feliz, assim como na primeira versão da prova, seu destino foi a morte por falta de adesão. Na primeira, por parte dos criadores, na segunda, por parte não só dos criadores, mas até mesmo da diretoria da associação que sequer regulamentou algum evento.

A resistência dos criadores a eventos de teste e a avaliações, principalmente obrigatórias, é imensa!

No entanto, essa resistência encontra pouco fundamento na própria motivação pela qual se entra ou se deveria entrar em uma associação de criadores de raça.  Ora, se uma associação se presta a delinear, preservar e promover determinada raça e seu padrão racial, sua razão de ser, de modo que, quando se adere a ela, se adere a um modelo, um padrão, e aos mecanismos inerentes à sua avaliação e preservação. Ninguém ousa questionar a obrigatoriedade das avaliações para registros dos animais, ou o controle de tipagem sanguínea, ou DNA para simples animais de sela muitas vezes, que dirá aos destinados à reprodução, para os quais, mais rígidos são esses critérios; e no caso dos destinados a determinados tipos de reprodução artificial, mais ainda.

Portanto, preferencias pessoais e modismos à parte, todo criador deveria refletir que, ainda que haja certa discricionariedade da porteira para dentro de suas criações, a adesão a um modelo de raça e a uma associação de criadores cria regras e padrões que excedem seus gostos pessoais. Aliás, não é estranho um criador não gostar do modelo de raça que decidiu livremente criar?

Certa vez um criador muito tradicional de Novo Horizonte – SP me disse: “O problema do criador de Mangalarga é que ele não gosta de Mangalarga”. Não entendi direito na época sua afirmação, hoje entendo muito bem…

Assim, até que ponto há liberdade de seleção pelo criador de uma raça? Até onde pode ir sua livre vontade, suas preferências pessoais em termos de seleção em uma raça?

 Até o ponto em que essa liberdade não fira as regras de seleção da Associação e, mais do que isso, o princípio que norteia a própria essência daquela raça de animais, sua razão de ser.

O padrão racial é uma referência ou uma imposição? E os meios para se chegar nesse padrão, são limitados de que forma?

No caso do modelo adotado na maioria das Associações Brasileiras, é uma referência, e os meios, para se chegar e se manter nele, são normas e ferramentas delimitadas pelas próprias associações de classe em seus conselhos técnicos e assembleias soberanas.

E você? Já pensou sobre sua seleção?

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