Viver uma utopia

Vivemos num momento em que muitos estão super estimulados e muito estressados.
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viver uma utopia

Acredito que todo final de ano e a entrada de um novo ciclo, possa ser o momento perfeito para diminuir o ritmo (literalmente), e permitir refletir como está nossa qualidade de vida.

Fazer um balanço do que podemos comemorar, do que pode ser melhorado, como uma variedade de soja que se adapta perfeitamente às condições do bioma onde é cultivada.

Acordamos durante todo o ano muito cedo, acessamos as redes sociais, avaliamos os preços das commodities no mercado, nos atualizamos durante todo o dia com as últimas notícias, damos um bom dia para os “amigos” do “Face” e do “Insta”, observamos como está nosso Linkedin, pois tudo pode acontecer em 20 minutos. Enfrentamos batalhas diárias no trabalho onde a “obrigação” de nos manter ativos, empáticos, simpáticos, sorridentes, resilientes, justos, diante das pressões socio empresariais de ter, características positivas relacionadas ao nosso soft skills são sempre observadas, quando não criticadas.

Muitas vezes, ao invés de relaxar na hora do almoço, de ter o prazer de parar e saborear uma comida, fazemos uma “reunião almoço” e engolimos sem nem saber o que estamos consumindo, procurando demonstrar que temos responsabilidades, que somos insubstituíveis, que não temos tempo a perder e que somos exemplo de profissional.

Sofremos com a visão que o setor agropecuário é o vilão da natureza, que produzimos catástrofes pelo mundo. Que o Brasil tem hoje 9,5 milhões de brasileiros desempregados. Que passamos por um verdadeiro tsunami chamada Covid, que deixaram muitas pessoas enlutadas, e que continua nos ameaçando e gerando insegurança, pois ela teima em se modificar, se adaptar para se manter viva. Conforme a USP, as medidas restritivas para conter o avanço da pandemia como o home-office, falta de interação social e o luto de milhões que perderam pessoas queridas para a pandemia, causaram muito mais ansiedade e depressão.

Começamos a perceber que não temos a mesma energia que tínhamos, mas temos que seguir em frente pois temos responsabilidades, família, empresa, trabalho, olhar a previsão do tempo, apostar que não haverá outro La Niña e, se sobrar tempo (UFA!), praticar a vida social. E, de repente, nos pegamos cansados, sem energia, com uma menor produtividade e a sensação de que não estamos entregando aquilo que esperamos ou que nossa liderança espera.

Nos cobramos de forma dura e começamos a ter mais momentos de irritação, de perda de memória (sabe aquela pessoa com cabelos loiros……..como é mesmo o nome dela?), da dificuldade de raciocínio lógico, de esquecimento e, começamos a enxergar pessoas como se fossem objetos e, nosso corpo nos cobra, com mais resfriados, sinusites, dores na coluna, insônia, azia, tensão na nuca e ansiedade.

E aí vem o burnout, seguido da depressão.

Dados da OMS demonstram que somos o país com maior prevalência de depressão da América Latina e o primeiro no mundo com ansiedade (18,6 milhões de pessoas).

Olhando para a realidade do produtor rural, observamos como um exemplo, uma verdadeira luta para equilibrar custos e continuar a produção de leite, seja pelo aumento de insumos como o milho e soja para ração, com variação anual de 30% onde, no primeiro semestre deste ano, os preços ao produtor tiveram aumentos significativos com o pico ocorrendo em agosto, com 63% maior que janeiro ou pela variação do preço nas gondolas, seja pela importação de leite em pó ou perda do poder aquisitivo da população.

Segundo a Farmnews, a variação anual do preço do bezerro, caminha para a segunda maior queda em mais de 2 décadas.

O Brasil, pelos dados do IPEA, deverá contribuir nesta safra com a soja, com crescimento estimado de 22,3%, o milho com + 12,0%, o algodão com + 16,7% e o café com + 5,6%.  Até o trigo, deve fechar a safra de inverno com alta de 23,7% na produção em relação ao ano passado.

E mantemos os olhos voltados para o céu e nas previsões meteorológicas, visando entender a insegurança climática, geadas em novembro, chuvas em excesso no Nordeste, se o La Niña irá continuar pelo terceiro ano causando veranicos em parte do RS, SC, PR, SP e MS.

Estas verdadeiras heroínas e heróis que contribuem diariamente para produzir alimentos, trabalha com muitas variáveis que não estão sob seu controle, e precisa “torcer” para que tudo dê certo, mesmo tendo diminuído a quantidade de adubos devido ao aumento, num primeiro momento, motivado pela guerra na Ucrânia, e quanto de reserva de nutrientes o solo ainda possui e se irá repercutir sobre a produtividade (se irá pagar os custos e gerar ganhos).

São dúvidas e incertezas num ciclo que se perpetua, ano após ano e agora, com mais um fator complicador, que são as alterações abruptas do tempo e o aumento médio das temperaturas, que afetam determinadas culturas como o café arábica no cerrado mineiro, ou a soja no sul do Mato Grosso do Sul, por exemplo.

Diante de tantos fatores não controláveis, precisamos cada vez mais, investir no nosso bem-estar emocional. Entender que há ações que temos responsabilidades diretas e, outras, que podemos apenas observar, procurando neste distanciamento, não somatizar.

Precisamos aprender a trabalhar nossas batalhas internas, nos preservando e seguindo os passos da “Arte da Guerra” e fazer retiradas estratégicas quando necessário para avaliar de forma mais pragmática possível os cenários.  Que a vitória conquistada a duras penas sempre vem acompanhada de um gosto de derrota, mesmo para os vencedores. 

Devemos primeiro travar esta batalha contra nós mesmos, nos capacitando para enfrentar – quando necessário – um ambiente hostil ou “esquecendo” do que não podemos influenciar ou gerir.

Entender que a felicidade é uma consequência natural da busca pela satisfação, onde aprendemos com os erros, apreciando e colocando em prática este conhecimento adquirido e fazer uso do que chamo de sabedoria, para o nosso bem e de todos aqueles, que chamo de sociedade ou mundo.

Aí encontramos algo muito maior, que nos dá a sensação de dever cumprido e uma leveza, que chamo de legado. Que é a capacidade de transformar o trabalho em alimentos para o mundo. E nós sabemos que o agronegócio brasileiro alimenta 800 milhões de pessoas, num mundo desigual que atingiu em novembro, 8,0 bilhões de habitantes.

E por que continuamos com esta ansiedade? É porque não entendemos que é “gutural”, “límbico” nossa mente procurar se defender de algo inerente a todo ser humano, que é o medo.

Como o grau de incertezas são maiores diante do cenário econômico, político e principalmente ambiental, que alterou de forma marcante o que antes tinha um sentimento de “causa e efeito” mais previsível. Hoje, na linha do tempo, tudo que estamos passando significa apenas um “instante”, como as lavouras de café que praticamente sumiram do PR e SP, e que há estudos da Embrapa que pode retornar no futuro, com produções até no Uruguai, com a cana de açúcar sendo beneficiada pela maior incidência de sol como planta C4 pois consegue converter uma boa parte da radiação solar em biomassa.

Mas não podemos esquecer do nosso arsenal, nossas ferramentas para combater estas inseguranças.

A primeira é se cercar de informações.

O conhecimento, mais do que nunca, será uma vertente poderosa para mitigar riscos. E conhecimento significa, por exemplo, uso de tecnologia, que não tinha a pouco tempo tanta importância, gerando a capacidade de economizar insumos sem comprometer a produção (caso dos drones para controle de plantas daninhas em reboleiras).

A rapidez da aceitação e uso de tecnologias fez a geração baby boomer e X, com poucas exceções, ter dificuldades enormes para trabalhar neste novo ambiente, onde a velocidade e a obsolescência se tornaram uma realidade que gera consequências nefastas para o meio ambiente.

Hoje, nesta grande aldeia global, otimizada pela internet, há cursos disponíveis, inclusive gratuitos, para aprimorar tanto nosso conhecimento técnico como emocional. É mais que o querer aprender sempre, e sim, a obrigação de aprender sempre!

A segunda é entender que somos limitados.

Conscientizar que não temos a capacidade de zerar os riscos, mas podemos trabalhar nas variáveis que controlamos, dentro das melhores práticas agronômicas, para traduzir conhecimento em produtividade. E que esta limitação que gera mais ansiedade, será tanto menor, quanto menos atenção darmos ao que não podemos gerenciar, sobre o que não nos compete. E aprender a não transferir estas “dores” para nossa família e/ou pessoas que nos cercam, pois gera um efeito “dominó, que torna os ambientes tóxicos, gerando menos produtividade e felicidade.

A terceira e fundamental ferramenta, é olhar com olhos de beleza e gratidão o que nos cerca e o que conquistamos.

E aqui estou falando de uma conquista do ponto de vista muito mais abrangente, que pode ser estar vivo, ter uma família, ter uma casa para desfrutar, estudos……

É aprender a não nos comparar com aquele melhor ou aquele que infelizmente não foi bem-sucedido. Até porque, neste quesito, sempre haverá pessoas melhores e pessoas que estarão pior que você. É aprender a saborear nossas conquistas, nossas pequenas vitórias, nosso momento de ócio, sem culpa, “curtindo” a caminhada, tirando dos fracassos mais sabedoria, nos preparando para ser um ser humano mais complexo, mas, aprender que nesta complexidade, podemos ser leves, e que isto não é conflitante.

Olhar para cada um que nos apoia com olhos de gratidão e reconhecendo seus esforços, gerando o sentimento de pertencimento, que graças ao esforço individual de cada um, o resultado beneficia toda uma população que hoje está sedenta por alimentos e acolhimento.

Escolher que não iremos nos deixar abater, e fazer de cada novo ano, um renovar de esperanças, onde a capacitação permanente, oferecendo para sua equipe, para sua família, a possibilidade de ter acesso a novas tecnologias e conhecimento.

Ter resiliência para nos adaptar a esta nova realidade, fazendo com que nosso olhar nos faça ver um ambiente menos hostil, entendendo que podemos atuar, fazendo a diferença juntos, pois iremos perceber que fazendo com amor, os desafios serão menos difíceis de serem alcançados e ultrapassados e, com fé, independente da crença religiosa, saber que nascemos para sermos amados e amar o próximo. Transformar o ambiente onde vivemos, em uma máquina de inovações, aprendizados e principalmente de confiança e empoderamento.

Talvez seja uma utopia, mas desejo de coração, que esta utopia seja assumida como verdade, e que o “milagre” aconteça, e que mais alimentos sejam produzidos, que a natureza seja preservada e que a população menos capacitada, tenha acesso à revolução que está acontecendo agora, que é produzir mais alimentos e que eles sejam distribuídos com equidade, sem corrupção e mais compaixão de países e corporações economicamente mais fortes.

Em torno de 828 milhões de pessoas no mundo que não tem o que comer, esperam por isso também….

Feliz 2023!

Por Mario Fujii
Gerente de logística do inpEV

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