Uma das quatro estratégias da nova versão do Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg) é a cadeia produtiva da recuperação. O Plano, que reafirma o compromisso brasileiro de restaurar 12 milhões de hectares, destaca a importância de fomentar os elos da cadeia com foco na produção de sementes nativas de base comunitária.
Segundo o Observatório da Restauração e Reflorestamento (ORR), a área em restauração no País já totaliza 150 mil hectares, um aumento de 90% desde 2021, início da Década da Restauração da ONU (2021-2030). Com isso, a necessidade em cumprir os compromissos ambientais tem levado a um aumento de iniciativas de restauração ecológica, sendo uma das soluções mais eficazes a técnica de semeadura direta.
Esta técnica, que envolve o uso de grandes quantidades de sementes de espécies nativas e adubação verde, não só reduz custos de restauração, como também garante a escalabilidade dos projetos e gera transformações sociais significativas nas comunidades que coletam e comercializam sementes. O processo de restauração começa com a coleta e o beneficiamento das sementes nativas, etapas essenciais para o sucesso dos plantios e desenvolvimento da vegetação.
Nesse cenário, a profissionalização da base da cadeia da restauração, com foco na produção de sementes nativas, vem acontecendo nos últimos anos e alguns marcos ilustram esse processo: entre os dias 4 e 12 de novembro de 2024, aconteceu uma ação coordenada de Organização e Distribuição das Sementes em Pindamonhangaba, interior de São Paulo, promovida pelo Redário, com o apoio da iniciativa Caminhos da Semente. Participaram instituições membros do Redário, como ISA (Instituto Socioambiental), Agroicone, Rede de Sementes do Cerrado e Rede de Sementes Vale do Paraíba. A partir deste momento, serão distribuídas cerca de 14 toneladas de sementes nativas para 50 projetos de restauração ecológica localizados em diversas regiões do Brasil.
Como funciona a organização e distribuição das sementes?
A preparação das sementes para os projetos de restauração é uma etapa crucial que inclui o recebimento, avaliação de qualidade e organização das sementes em misturas – também conhecidas como muvuca de sementes -, conforme as necessidades de cada propriedade rural. As redes comunitárias são responsáveis pela coleta das sementes, que passam por uma análise rigorosa para garantir que estejam em boas condições para o uso. Esse processo contínuo, realizado ao longo de todo o ano, é fundamental para assegurar a qualidade do material que será utilizado nas iniciativas de restauração.
Após a coleta, as sementes passam por uma segunda avaliação de qualidade para verificar os impactos do transporte e outros possíveis, exatamente nesse momento de organização feito pelo Redário. A equipe organiza as sementes por origem e, em seguida, realiza uma homogeneização, ou seja, a junção das sementes da mesma espécie, provenientes de diferentes regiões. Depois, são feitas as misturas de espécies separadas em lotes específicos, adequados para cada projeto de restauração, garantindo que as sementes atendam à quantidade e qualidade necessárias para o sucesso do plantio.
“Os proprietários rurais e empresas que fazem restauração ecológica querem agilidade e qualidade para contratar serviços e para compra de sementes ou mudas. A iniciativa oferece ou indica serviços de restauração e o Redário vende as sementes nativas, já seguindo recomendação técnica de acordo com o ecossistema”, afirma Laura Antoniazzi, pesquisadora sênior e sócia da Agroicone.
“Como de praxe, no início do ano realizamos o planejamento nos núcleos de coletores. Cada coletor monta sua lista de potencial de produção. No fim do primeiro semestre, iniciam-se as visitas de monitoramento de produção, quando vamos alinhando os padrões de entrega e qualidade. Esse acompanhamento serve para dar assistência técnica desde os pontos de coleta das espécies até o modo de beneficiamento e armazenamento.
Neste ano, enfrentamos problemas com algumas espécies, que tiveram baixa produção devido a alterações climáticas, como frio fora de época ou calor excessivo, o que interferiu na produção de determinadas espécies. Outras, no entanto, apresentaram maior produtividade”, conta Thiago Ribeiro Coutinho, assentado da Reforma Agrária e coordenador geral da Cooperativa Rede de Coletores de Sementes do Vale do Paraíba (COOPERE). Coutinho é coletor de sementes desde 2013.
Como destacado no Planaveg, a oferta dos insumos da restauração deve crescer de maneira coordenada à demanda. Por isso, projetos que atuam apenas para fomentar produção de sementes ou mudas podem ser frustrantes para apoiar agenda da restauração. Com a iniciativa Caminhos da Semente e Redário, lançada em 2019, as duas pontas caminham juntas, com passos progressivos na profissionalização do setor.
“Em alguns locais se reclama que não existem viveiros ou sementes e ao mesmo tempo observamos muitos viveiristas e coletores de sementes que não conseguem vender sua produção. A cadeia só vai evoluir com crescimento coordenado de produtores de sementes, empresas que executam restauração e demanda geral para restaurar” complementa Laura.
Coutinho pontua que desde o início da parceria, tanto o Redário quanto a Caminhos da Semente têm desempenhado um papel fundamental no escoamento da produção, sendo responsáveis por adquirir ou encaminhar mais da metade da sua produção anual, além de auxiliar no contato com clientes. Outro aspecto relevante é a facilitação no intercâmbio com outros coletores e redes experientes, que auxiliam na lida com as sementes.
Separação de sementes em 2024. Foto: Divulgação.
“Sem dúvidas, as sementes são fonte de inspiração e transformação. O elemento econômico é o principal fator que tem mudado a realidade dos camponeses, trazendo renda da terra, com pouco ou nenhum investimento, sendo a mão de obra o principal recurso empregado na produção. Mas muito além disso, há a vontade de transformar a paisagem, melhorar a qualidade de vida e garantir o que não se compra, como o ar fresco, a sombra oferecida pelas árvores, e o alimento para pássaros e outros animais, que aumentaram consideravelmente desde que instalamos nossos SAFs e manejamos as matas em regeneração no território do assentamento.
Outro ponto importante é a relação com as árvores antigas, que nos atraem para coletarmos suas sementes, muitas vezes caindo no asfalto ou em terrenos de antigas chácaras nas cidades próximas, onde logo serão substituídas por edifícios. Muitas vezes, ao retornarmos, a árvore já foi cortada ou queimada. Então, a missão é grande: garantir as sementes para plantar novas florestas”, destaca Coutinho
- Isa (Instituto Socioambiental): atuando desde 1994, o ISA trabalha em parceria com comunidades indígenas, quilombolas e extrativistas, promovendo soluções para proteger seus territórios, fortalecer suas culturas e fomentar economias sustentáveis.
- Agroicone: Composta por uma equipe multidisciplinar, a Agroicone possui ampla expertise nas áreas econômica, regulatória/jurídica, territorial, socioambiental e de comunicação. Atua com pesquisa aplicada, modelagem econômica e implementação de políticas públicas, com foco na agricultura e desenvolvimento sustentável.
- Redes de Sementes do Cerrado: é uma associação sem fins lucrativos cuja missão é a defesa, a preservação, a conservação, o manejo, a recuperação, a promoção de estudos e pesquisas, e a divulgação de informações técnicas e científicas relativas ao meio-ambiente do Cerrado, especialmente no Brasil Central.
- Rede de Coletores de Sementes Vale da Paraíba (COOPERE): é uma iniciativa socioambiental engajada na restauração ecológica e reaproximação do ser humano da natureza. As sementes produzidas pela Rede de Coletores Vale do Paraíba para o Redário em 2024 totalizaram 1.100,00 kg, abrangendo 82 espécies.
“Essas instituições, desempenham papéis complementares no fortalecimento das ações de restauração ecológica, unindo esforços em favor da recuperação de ecossistemas e do apoio às comunidades locais”, finaliza a pesquisadora sênior e sócia da Agroicone.
Sobre a iniciativa:
- Organização e Distribuição das Sementes
- Data: 04 a 12 de novembro de 2024
- Local: Pindamonhangaba/Sp – Localização
- Instituições Envolvidas: ISA, Agroicone, Rede de Sementes do Cerrado e Redes de Sementes Vale da Paraíba
- Quantidade de Sementes: 14 toneladas
Sobre a Agroicone
A Agroicone é uma organização que gera conhecimento e soluções para transformar a agropecuária brasileira diante dos desafios globais do desenvolvimento sustentável. Atua em cinco áreas estratégicas: i) comércio internacional e temas globais; ii) sustentabilidade e inteligência territorial; iii) políticas públicas; iv) negócios, mercados e financiamento; e v) tecnologias em cadeias agro. A Agroicone é formada por uma equipe multidisciplinar, com vasta competência nas áreas econômica, regulatória/jurídica, territorial, socioambiental e de comunicação. Mais informações: www.agroicone.com.br
Por Agroicone
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