A tilápia tem reinado absoluta no mercado brasileiro de peixes. Fatores como proteína de alta qualidade, preço competitivo e preparo fácil fazem com que conquiste espaço a nados largos e, até 2030, deve responder por 80% da produção nacional, segundo previsão da Peixe BR (Associação Brasileira de Piscicultura). A expectativa é que nesse ritmo o Brasil assuma no posto de terceiro maior produtor mundial de tilápias, dentro de três ou quatro anos.
Hoje, o país está na quarta posição, com 8,4% do volume global, atrás apenas de China, Indonésia e Egito. Em 2022, foram produzidas 550.060 toneladas de tilápias em águas brasileiras, volume que representa 63,93% da produção nacional de peixes de cultivo. O número é 3% maior que o alcançado em 2021 (534.005 toneladas), e a tendência é essa expansão continuar, segundo a Peixe BR.
Brasil é quarto maior produtor de tilápia, com 8,4% do volume global
O avanço vem acompanhado por desafios. É preciso reduzir a carga tributária para estímular as exportações, e as práticas que envolvem o licenciamento ambiental e obtenção de crédito ainda são um entrave para os pequenos produtores. “Uma psicultura forte e competitiva requer políticas públicas que a fomentem, e isso passa inevitavelmente por tributos e meio ambiente”, avalia Francisco Medeiros, presidente da Peixe BR.
Segundo Medeiros, a piscicultura brasileira é uma atividade jovem, e representa o setor de produção animal que mais tem crescido no país nos últimos anos. Isso ocorre em função do consumo ainda ser baixo, 9,5 Kg/hab/ano. “E de haver espaço para escalonarmos. Mas também da profissionalização da cadeia produtiva, fruto de investimentos consistentes em todos seus elos”, avalia o dirigente.
De acordo com a Embrapa Pesca e Aquicultura, esses investimentos vêm sendo feitos tanto por pequenos e médios produtores como por grandes empresas multinacionais. Os aportes contemplam novas estruturas de engorda, produção de insumos (alevinos, ração, aditivos), medicamentos, material genético e avanço nas indústrias de abate e processamento.
“Grandes cooperativas e empresas que já atuavam em outras cadeias de proteína animal, como frangos e suínos, estão investindo na tilápia e aproveitando a expertise e a estrutura já consolidadas em outros setores”, aponta Manoel Pedroza, pesquisador da Embrapa Pesca e Aquicultura.
Retomada dos preços
O crescimento aconteceu mesmo em meio a um ano de 2022 bastante atípico para a tilapicultura, com um primeiro semestre de preços baixos pagos ao produtor. Essa condição levou à redução do alojamento e, por consequência, também da oferta de peixes na segunda metade de 2022.
A partir daí, ocorreu aumento de preços pagos ao produtor. Entre agosto de 2022 e fevereiro de 2023 houve a maior série dessa elevação, com sete meses consecutivos de alta, segundo levantamento do Cepea, que começou a ser feito em 2021.
A oscilação em 2022 foi fruto da alta nos preços de produção de insumos, que impactou os custos da ração, encarecendo o cultivo; e da queda do poder aquisitivo do brasileiro, que passou a gastar menos, como avalia Medeiros. “A solução para driblar esses fatores foi melhorar a gestão dos negócios em toda a cadeia produtiva, oferecendo novos itens ao consumidor final e ampliando os canais de venda.”
Com a evolução dos preços pagos ao produtor no segundo semestre, houve uma corrida por alevinos e juvenis de tilápia. O mercado não conseguiu atender a essa demanda durante todo o segundo semestre, já projetando uma grande produção para 2023. Segundo o presidente da Peixe BR, o Brasil tem neste momento as melhores condições do mundo para continuar e aumentar sua produção.
“O aumento dos valores está atrelado à baixa oferta e firme demanda, tanto no mercado interno quanto externo. O período da Quaresma também foi um fator para a intensificação da demanda por parte das redes atacadistas e varejistas, que iniciaram em janeiro a elaboração dos estoques. A expectativa é que os preços continuem em movimento ascendente”, analisa Juliana Ferraz, do Cepea.
Dados do Informativo Econômico da Aquicultura da Epagri (SC) deste mês registram a margem líquida unitária média para produção do pescado em sistemas de viveiro escavado com variação de R$ 1,73 a 1,91/kg de tilápia. Essa margem considera um custo de produção entre R$ 6,81 a R$ 7,24/kg e um preço de venda da tilápia entre R$8,40 a 8,60/kg, o que equivale a um índice de lucratividade entre 20,07% e 22,72%.
Atualmente, o investimento para implementação de projeto de produção de tilápia em viveiro escavado, com uma área 0,5 ha (ou 5.000m2), é de R$ 39.374,50. Ao longo da produção, a ração é o principal item de custo da tilápia (70% a 80%). A energia elétrica, fundamental para a aeração artificial dos viveiros, é outro item representativo, na ordem de 5% a 8% dos custos.
Exportação
As exportações da tilápia representaram 98% do total da piscicultura brasileira em 2022, somando US$ 23,3 milhões. O crescimento no valor de vendas foi de 28%, apesar do volume ter caído 1%, ficando em 8.447 toneladas. Hoje, o maior país de destino é os Estados Unidos. O desafio ao Brasil é conseguir crescer no mercado europeu.
O setor conta com incentivos fiscais à exportação, com o regime de drawback, que retira os impostos de insumos da produção. Mas os produtores pleiteiam redução das alíquotas de PIS e Cofins para conseguirem ser mais competitivos.
“Vale destacar a importância nossa entrada e consolidação na exportação de tilápia inteira congelada e filé congelado, que até 2021 eram um grande desafio, em função de preço e logística”, afirma Francisco Medeiros. De acordo com o presidente da Peixe BR, esse avanço foi fundamental, pois ambos os segmentos representam o maior mercado nos Estados Unidos e no mundo como um todo. “O segmento no qual atuamos por muito tempo, o filé fresco, é menor e mais restrito.”
Dados da Peixe BR apontam que a exportação dos filés congelados cresceu 98% neste ano, registrando US$ 4,3 milhões, e o envio de tilápia inteira congelada cresceu 70%, atingindo US$11,4 milhões. O filé fresco ainda ocupa a segunda colocação entre as exportações, com US$ 5,8 milhões (25% do total) e aumento de 8%.
Hoje, a tilápia é o segundo peixe mais produzido no mundo, ficando atrás apenas das carpas, que são produzidas em larga escala na China, para consumo no próprio país. A produção global, impulsionada pela demanda, é crescente. Segundo estudos da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), em 2022 a produção global do pescado cresceu 4%, registrando 6,5 milhões de toneladas produzidas, frente aos 6,25 milhões alcançados em 2021. A estimativa para 2023 é chegar a 6,7 milhões de toneladas.
Aumento do consumo
O sabor suave da tilápia é um dos seus principais atrativos, mas o que mais tem chamado a atenção do consumidor é seu baixo teor de gordura. “Quando comparada a outras fontes de proteína animal, a tilápia é uma excelente escolha do ponto de vista de seus macronutrientes, como proteínas, carboidratos e gorduras”, aponta a nutricionista Daniela Cierro, vice-presidente da Asbran (Associação Nacional de Nutrição). “Pessoas preocupadas com a saudabilidade têm optado mais pela carne branca dos peixes.”
Em uma porção de 100g de tilápia há, em média, 20g de proteínas e 1,7g de gordura, e o valor calórico total de 96kcal. O peixe é também fonte de Ômega-3, que contribui reduzir riscos de doenças cardíacas e cardiovasculares, reduz os processos inflamatórios e ajuda no desenvolvimento cerebral e regeneração de suas células. Contém ainda potássio, fósforo, cálcio e outros minerais em menor escala.
Em alta nos restaurantes, a tilápia também aparece como boa opção pelo fornecimento perene e pouca volatilidade de preços. A inserção da tilápia nos restaurantes de comida japonesa e a popularização dos pokes, da gastronomia havaiana, contribuiu muito para o aumento do consumo. “Com entrada nesse nicho da gastronomia, a tilápia acessa agora o público juvenil, ampliando nossas oportunidades”, considera Medeiros.
Para incentivar o consumo no varejo por meio da diminuição dos preços, pesquisadores apontam que uma opção é estimular, na indústria, o aproveitamento de partes da tilápia que são desperdiçados ou utilizados em produtos de baixo valor agregado.
“Hoje, o foco está no filé. Mas o restante do peixe pode ser utilizado na produção de hamburguer, almôndegas, nuggets e defumados. Atualmente as sobras são aproveitadas apenas para farinha de peixe e alimentação animal. Com esse aprimoramento, o custo total da produção tende a diminuir”, considera Manoel Pedroza, pesquisador da Embrapa Pesca e Aquicultura.
Outro fator a ser melhorado é a distribuição. Pesquisa Realizada pelo Instituto Axxus, startup com sede no Parque Tecnológico da Unicamp, revela que 67% das pessoas que dizem ainda não comer tilápia o deixa de fazer por dificuldade em encontrá-la.
Alimentos azuis
A Blue Food Assessment, uma colaboração internacional de cientistas, tem se concentrado no papel dos alimentos aquáticos nos sistemas alimentares globais. Em um artigo na revista científica Nature, os pesquisadores destacam os benefícios em escala global de adicionar mais alimentos azuis – aqueles que vêm do oceano ou de ambientes de água doce – à dieta mundial.
“Embora as pessoas em todo o mundo dependam e gostem de frutos do mar, o potencial desses alimentos azuis para beneficiar as pessoas e o meio ambiente continua subestimado”, diz Ben Halpern, ecologista marinho da Universidade da Califórnia, Santa Bárbara, diretor do Centro Nacional para Análise e Síntese Ecológica. “Os tomadores de decisão podem explorar as políticas de alimentos azuis mais relevantes para seu cenário nacional e usar o papel para inspirar políticas de alimentos azuis que podem superar os desafios ambientais e nutricionais existentes.”
No Brasil, com o Ministério da Pesca e Agricultura reativado após um hiato de sete anos, a secretária Nacional da Aquicultura, Tereza Nelma, afirma que a equipe recém-formada se mobiliza para levantar dados e traçar um panorama do potencial no setor no sistema alimentar nacional.
“Há uma carência de informações no setor como um todo, que temos que correr atrás. Nosso objetivo é captar esses dados para posteriormente ajudar a informar e capacitar os profissionais, a partir de políticas públicas que moldem o futuro”, afirma. “Existe uma preocupação com os pequenos produtores, cuja maioria ainda está na informalidade. É uma realidade que precisa ser transformada”, completa.
Na verdade, o setor já conta com o levantamento anual feito pela Peixe BR, que acaba de lançar a sétima edição de seu anuário da piscicultura. O próprio ministro, André de Paula, participou da apresentação da publicação, e assumiu o compromisso de estar muito próximo da entidade para contribuir nos próximos três números, pelo menos. O anuário está disponível para dowload no site da Peixe BR.
Os dados fornecidos pela associação ajudam, inclusive, a buscar caminhos para superar desafios como a dificuldade burocrática para conquista das outorgas, um entrave para os pequenos produtores. Muitos operam apenas com licença ambiental provisória e outros acabam abandonando o setor, pois a falta de regulamentação os impede de conseguir crédito.
O assunto foi colocado em discussão durante o vento de apresentação do anuário da Peixe BR Os produtores questionam a necessidade das outorgas para pequenos produtores para captação de recursos junto às entidades de crédito, uma vez que em outros setores produtivos as exigências são escalonadas de acordo com o tamanho das propriedades. O ministro André de Paula afirmou que vai acompanhar de perto toda a questão.
Cooperativas viram modelo
O trabalho com as cooperativas mostrou-se um dos pilares do desenvolvimento do setor. “Ela têm papel fundamental no avanço que conquistamos”, avalia Franciso Medeiros. Com modelo verticalizado, a cooperativa entra com os alevinos juvenis, ração, assistência técnica, garantia de compra de produção, industrialização e venda. O produtor entra com a propriedade, mão de obra e gastos como energia elétrica e medicamentos.
A C-Vale, de Palotina, no Paraná, é uma das cooperativas com atuação mais expressiva no segmento de tilápias. Com experiência de 25 anos na produção de frangos e 59 anos no mercado de grãos, há cinco anos a cooperativa iniciou as atividades com tilápias. E desde então não parou de crescer. A cada ano, a produção tem aumentado em torno de 20% a 25%. O frigorífico da propriedade já é o maior das Américas e foi construído para suportar o avanço da produção previsto para os próximos anos.
Os cultivos estão localizados em um raio de atuação de 60 Km a partir de Palotina, com 256 produtores envolvidos e 8.046.197 m2 de lâminas d’água. Hoje, são abatidas 170 mil tilápias por dia no local. A expectativa é que, até 2024, esse número chegue a 200 mil unidades/dia. Para dar conta dessa demanda, a C-Vale tem 1.140 funcionários na área.
“O Oeste do Paraná é um expoente, o verdadeiro polo produtivo de tilápias do Brasil, um indicativo da predisposição dos agricultores regionais em diversificar as atividades, para reduzir a dependência de grãos”, comenta Jair de Sordi, da C-Vale. “Os resultados alcançados são frutos de muito estudo, preparo e comprometimento da cooperativa e dos cooperados com esse formato de trabalho.”
Parte dessa produção é destinada à exportação. “Somos o principal exportador de tilápias do Brasil, com 14% da nossa produção voltada ao mercado externo, principalmente para Estados Unidos e Canadá, mas atendendo também Japão, República Dominicana, Taiwan, entre outros”, informa de Sordi.
Na Copacol, também no Paraná, são processadas 185 mil tilápias ao dia, somando as unidades de Nova Aurora e Toledo. Em 2022, foram abatidos 51,6 milhões de peixes, totalizando 42 mil toneladas no período – número 15% maior do que em 2021. A expectativa é crescer mais 30% até 2024.
Para suprir toda essa demanda, a Copacol conta com a UPA (Unidade de Produção de Alevinos), em Nova Aurora, cuja produção foi de 41,5 milhões de alevinos na safra 2022. “Como a tendência é que a demanda aumente, já nos preparamos para colocar em operação uma nova UPA, ainda em 2023, em Quarto Centenário, com capacidade para produzir mais 50 milhões de alevinos a cada safra”, afirma Nestor José Braun, gerente Integração Peixes da Copacol.
De acordo com o presidente da cooperativa, Valter Pitol, o ano passado foi desafiador. “Assim como em outros setores, o frete internacional onerou o processo. Na piscicultura, particularmente, as baixas temperaturas dificultaram a conversão alimentar das tilápias”, analisa o executivo. “Mas, com um sistema verticalizado bem estabelecido, conseguimos superar as adversidades e manter as oportunidades aos 287 cooperados do setor, com crescimento.”
A segurança oferecida pelas cooperativas é um diferencial que incentiva os produtores a entrarem no cultivo de tilápias, enquanto as melhorias constantes mantêm os mais antigos. “A atuação junto à cooperativa nos transmite a segurança da venda da produção e oferece todo o suporte necessário para investimento no manejo mais adequado, econômico e sustentável. É um grande benefício”, afirma o produtor Thiago Voss, de Nova Aurora. Ele conta que o pai iniciou a produção de tilápias em 2008, com 14 mil peixes por lote. Hoje, ele é quem está à frente da produção, que já contabiliza 510 mil unidades por período.
A comercialização ao mercado externo também avança na Copacol, com 2,3 mil toneladas em 2022, frente às 1,3 mil toneladas do ano anterior. Na expectativa de crescer ainda mais, a cooperativa conquistou recentemente a certificação para entrada no mercado Halal, cujos têm características específicas para atender à demanda dos povos muçulmanos que seguem o islamismo, e está apta a fornecer tilápias para o Oriente Médio.
Investimento em pesquisa
Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), do Instituto de Pesca – vinculado à Agência Paulista de Tecnologias do Agronegócio (APTA) –, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo e da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) pretendem contribuir para o desenvolvimento da produção de tilápias no Brasil no próximos anos.
E isso vai acontecer por meio de um projeto de pesquisa aplicada que será desenvolvido em parceria com empresas brasileiras, norte-americanas e europeias do setor, além de órgãos governamentais. A iniciativa é apoiada pela Fapesp no âmbito do programa Centros de Ciência para o Desenvolvimento (CCDs).
As atividades já estão em andamento, integrando três frentes. Entre elas estão os estudos que visam contribuir para a produção paulista de tilápia, mitigando a mortandade da espécie; por meio da criação de kits de diagnóstico, vacinas de DNA e melhoramento genético, com o intuido de combater doenças da piscicultura, as quais geram grandes perdas econômicas.
A expectativa do grupo é que os resultados se traduzam em benefícios tanto para a saúde da população como para a economia. “Temos condições de crescer e atender tanto o mercado interno como o externo. Estima-se que a necessidade de alimentos no mundo possa dobrar até 2050 e nosso país pode se tornar uma potência na aquicultura”, afirma Daniel Lemos, professor do Instituto Oceanográfico (IO-USP) e coordenador do projeto.
As equipes parceiras neste projeto são o Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), a Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA/USP) e o Centro de Aquicultura da Unesp.
Por Globo Rural
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