“Não sigam o meu exemplo.” Embora inusitada, essa é a principal recomendação do produtor rural Lorenzo Ross, que também dá palestras sobre sucessão familiar e engaja milhares de seguidores em suas redes sociais. Engenheiro agrônomo, representante da terceira geração da família, ele fala sobre a sua trajetória a estudantes de cursos de agronomia e administração no Sul do país.
Ao perder o pai, de maneira repetina, cinco anos atrás, Lorenzo, então com 21 anos, assumiu a fazenda Sementes Lucia Ross, de Não-Me-Toque (RS), uma grande produtora de sementes e grãos de soja, milho, trigo e aveia. Sérgio Ross, o pai, morreu em decorrência de um câncer, aos 57 anos. No complicado processo de transferência da liderança dos negócios, Lorenzo teve a ajuda da irmã Camila, três anos mais velha que ele, e da mãe, Tiana.
“Foi triste e inesperado. Meu pai cuidava da produção, e tudo estava no nome dele. Desde criança, eu acompanhava as atividades da fazenda, mas na época estava na faculdade. Naquele tempo, minha preocupação era obter boas notas para me formar e poder voltar para casa para ajudar meu pai no negócio”, relata.

A transição de gerações não é simples, não existe uma receita de bolo para ela. Para dar certo, a sucessão tem que ser um exercício diário – Dulce Ciochetta, diretora administrativa do Grupo Morena
O primeiro desafio foi tratar do inventário. “Foi um pesadelo. Tive o suporte da minha irmã, que é advogada, mas os custos e a burocracia são enormes. E meu pai já tinha passado a mesma dificuldade quando meu avô faleceu”, relata o jovem produtor rural.
Lorenzo conta que passou a dar palestras sobre planejamento sucessório no agro por acaso. Por ser influenciador digital – no momento, cerca de 180 mil seguidores o acompanham no Instagram, no qual mostra seu dia a dia no campo –, ele foi convidado para mediar uma semana acadêmica que tinha como tema a conservação do solo. Na sequência, veio o convite para falar ao público.
“Respondi que nunca tinha feito palestra na vida. O pessoal, então, me sugeriu falar sobre como foi o processo de sucessão rural na nossa fazenda. Aceitei o desafio, contei a minha história para 150 estudantes. Observei que a maioria estava prestando bastante atenção, e muitos interagiram comigo. Na verdade, ainda se fala pouco sobre esse tema. As pessoas precisam saber quanto é importante planejar a sucessão com antecedência”, diz Lorenzo, que já fez sua palestra em 30 diferentes ocasiões.
Na fazenda, ele cuida da parte operacional, gestão técnica e das pessoas, enquanto a irmã se encarrega da parte administrativa e financeira. Os dois e a mãe deles criaram uma holding familiar. “Se um de nós falecer, os outros dois não terão que pagar o inventário novamente”, explica.
Nas palestras, Lorenzo diz que tenta conscientizar os jovens a fazer a sucessão em vida, o que torna o processo menos oneroso e reduz a chance de conflitos. Ele sugere a contratação de uma empresa especialista em sucessão para identificar as necessidades e particularidades de cada família e tornar o processo mais fácil e amigável. Outra recomendação é a de se diferenciar o herdeiro do sucessor. O primeiro é aquele que simplesmente herda a propriedade e o negócio e, geralmente, gasta tudo. O sucessor é aquele que dá seguimento às operações.
Ele lembra que, na maioria dos casos, o filho sai da fazenda para cursar uma universidade, mas quer voltar e trabalhar com o pai para desenvolver o negócio da família. “Os filhos saem da faculdade cheios de energia e com vontade de mudar tudo. Já o pai não aceita muito as novas ideias, e é nessas horas que surgem os conflitos. Um amigo foi trabalhar com o pai na fazenda, que não escutava nada do que ele falava. Meu amigo desistiu e foi trabalhar em uma multinacional do agro. Quando esse amigo foi promovido, o pai o chamou de volta. Para dar certo, é fundamental juntar a experiência e o conhecimento do pai com a energia e novas ideias do filho”, acredita.
Um grande atrativo para o jovem voltar para o campo, diz, é a inovação tecnológica. “Tem um ditado que diz que, no passado, se a pessoa não estudasse, teria que trabalhar na roça. Hoje, tem que estudar para trabalhar no campo. Não basta apenas saber dirigir o trator, tem que saber usar a tecnologia das máquinas, usar agricultura digital, ter conhecimentos de gestão e muito mais”, salienta.

Lorenzo acha que não há uma idade certa para uma pessoa começar a se envolver com o planejamento da sucessão de um negócio familiar. Ele sugere, no entanto, que o processo deve ter início assim que o herdeiro (ou herdeira) estiver estabelecido.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 30% das empresas familiares chegam à segunda geração e só 5% conseguem resistir até a terceira. Especialistas em sucessão concordam que, para ser bem-sucedido, o processo de sucessão tem que ser feito com planejamento antecipado, sem pressa e com participação de todos os membros da família, mesmo os que não querem trabalhar no negócio.
No Grupo Morena, de Campo Novo do Parecis (MT), que entrou em operação em 1989, o planejamento da sucessão já começou – e já se sabe quem vai liderar o negócio no futuro. A empresa, fundada por Romeu José Ciochetta e sua esposa, Dulce, nasceu a partir do arrendamento de 200 hectares da Fazenda Morena para plantio de grãos e hoje cultiva 10 mil hectares de soja e milho, entre área própria e de arrendamento. Ela atua ainda com pecuária, silvicultura e unidade de beneficiamento e armazenamento. Luís Otávio, de 27 anos, filho do casal, é o gestor comercial. Ele vem sendo preparado desde o ano passado para assumir no futuro o lugar de Romeu, que está com 61 anos e ainda não tem planos de se aposentar.
A mais velha, Paula Vitória, de 28 anos, preferiu seguir carreira em outra área. Já Luís sempre gostou do trabalho no campo e passou por uma mentoria para ver se realmente queria cuidar do negócio. “Sabemos que o número de empresas que morrem na segunda geração é muito expressivo. Por isso, se a gente quiser que a empresa continue com nosso sobrenome, precisamos nos preparar quanto antes para a sucessão. Já está definido na nossa governança o que vai acontecer: Paula será herdeira e Luís será o sucessor. Ele ainda é muito jovem, mas já participa da gestão e do conselho”, declara a mãe.
As diferentes gerações precisam ouvir umas às outras para que possam alinhar expectativas. É importante que cada um entenda seu papel na família e no negócio- Mariely Biff, consultora
Dulce, uma ex-professora que se tornou diretora administrativa do Grupo Morena, diz que, depois de criar a holding, estruturar a empresa e estabelecer as políticas de ESG (sigla em inglês que faz referência às práticas voltadas à sustentabilidade ambiental, social e de boa governança) na fazenda, o primeiro passo da sucessão foi definir qual filho assumiria o negócio no futuro.
Integrante da diretoria do Movimento Agroligadas (a iniciativa une mulheres de diferentes elos da cadeia do agronegócio em várias partes do país e promove ações educativas e de comunicação sobre a atividade rural), ela diz que, com a profissionalização do agro, criam-se oportunidades para as famílias prepararem com antecedência os sucessores e também os patriarcas. Estes, mesmo que se aposentem – e, com isso, acabem se afastando das atividades do dia a dia –, podem seguir dando sua contribuição aos sucessores. Afinal, a expectativa de vida dos brasileiros é cada vez maior.
“Em muitos casos, a resistência do patriarca é enorme, o que gera conflitos tão grandes que a família acaba se destruindo. A nova geração também chega com vontade de mudar tudo rapidamente. A transição não é simples, não existe receita de bolo para ela. A empresa pode ter governança, conselho, políticas, regulamentos, mas a sucessão é um exercício diário em virtude, principalmente, das diferenças geracionais”, diz a mãe.
O processo de transição no grupo conta com a ajuda da empresa de Mariely Biff, uma paranaense filha e neta de produtores rurais que trabalha há mais de 12 anos como consultora e é palestrante em sucessão familiar e governança no agro. Segundo ela, é sempre bom ressaltar que sucessão não é substituição, e sim continuidade da gestão e do legado. “Os maiores desafios estão relacionados a uma postura por vezes conservadora e à resistência de fundadores, titulares ou gestores que se sentem ameaçados, têm medo de perder o poder e a utilidade. Nessa situação, conversas sobre sucessão e governança são desconfortáveis. Para muitas famílias, o assunto remete à morte e a mau agouro. Com isso, o que acontece é que se evita falar sobre ele.”
Entram na lista de desafios também o despreparo dos possíveis sucessores, a falta de profissionalização do negócio e de capacitação da família para o processo e o conflito de gerações. “Há dificuldade em alinhar expectativas, em ouvir e entender que gerações podem caminhar lado a lado, ser complementares, uma com experiência em crises e muita bagagem e a outra com um olhar mais inovador, que vislumbra formas mais rápidas e baratas de se fazer as atividades. Para alinhar, é importante que cada um entenda seu papel dentro da família e do negócio e respeite a hierarquia”, ressalta.
Por Globo Rural
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