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Produtora rural e dentista, ela quer colocar o Brasil de volta no mapa da borracha

23 de setembro de 2023

Berço da seringueira, o país já foi o maior exportador de borracha do mundo e hoje figura na 11ª posição, perdendo para o sudeste asiático
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Produtora rural e dentista, ela quer colocar o Brasil de volta no mapa da borracha
Seringueira com corte recente na casca do tronco. Dentro do vaso, o látex colhido e seco pronto para ir ao beneficiamento

Uma floresta densa, verde escura, com os raios do sol vazando entre os galhos. O solo inteiro coberto por folhas secas, que estalam enquanto se caminha naquele silêncio. Quase como um portal formado pelos troncos curvos, a floresta sangra branco e escorre o líquido que se transforma em borracha. Esta é a heveicultura, cultivo de seringueiras para extração do látex – nome dado graças à Hevea brasiliensis, árvore genuinamente brasileira, mais especificamente da Amazônia.

Sangrar é o termo correto para descrever a extração do látex da árvore. Coágulo é o nome da bola formada depois de o látex se acumular e secar – nesse momento, a aparência já é de borracha, mas o cheiro é desagradável. Nesta operação, no coração da floresta, os sangradores são os cirurgiões e a faca é o bisturi, cuja lâmina precisa estar afiada para acertar milimetricamente o corte do tronco.

“É uma mão de obra artesanal. O corte na casca do tronco tem que ser de 1,5 milímetro antes de chegar na madeira. Se for antes, não dá para sangrar. Se o corte for profundo, pode comprometer a produtividade e longevidade, e com isso a árvore não consegue mais produzir”, explica Teresa Márcia Morais, produtora no município de Colômbia, na região de Barretos, interior de São Paulo.

Ela se divide entre a gestão de140 hectaresnas fazendasRio Velho e Santo Antônio,e o consultório de odontologia. Dentista de formação, Teresa Márcia equilibra as duas profissões e ainda tem um papel ativo nas entidades setoriais da borracha. Afinal, por trás do trabalho na floresta, existe uma luta da cadeia produtiva.

Embora seja o berço da seringueira, o Brasil passa há anos por uma competição com a borracha importada do sudeste asiático. De acordo com a empresária rural, na última década, a atividade está ficando inviável, pois o país produz apenas 40% da necessidade nacional e o restante vem de fora a um preço desleal.

“Nesses 10 anos, o que tem nos prejudicado é o preço da borracha. O preço pago no coágulo era mais alto há 10 anos do que hoje, e os custos eram muito inferiores. Estamos num momento peculiar, à beira de um colapso”, afirma.

Batalha dos preços da borracha

A demanda global por borracha natural é superior a 14 milhões de toneladas por ano, segundo a Associação Nacional dos Países Produtores de Borracha. Diante da expectativa de aumentar a produção para atender a essa demanda, representantes de produtores e da indústria da borracha têm se organizado para solicitar estímulo do poder público.

Em maio, diversas lideranças do setor se reuniram com o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro. Em agosto, o Comitê-Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior (Camex) confirmou o aumento da tarifa de importação imposta ao comércio de borracha natural no país. O imposto aplicado subiu de 3,2% para 10,8%, em vigor por um período de 24 meses.

De acordo com o Instituto de Economia Agrícola, vinculado à Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo, no mês de agosto de 2023, o preço referência de importação da borracha natural fechou em 8,97 reais o quilo, apontando aumento de 5,78% em relação ao mês anterior. No entanto, as cotações dos contratos da matéria-prima comprada no mercado asiático, cuja referência é a bolsa de Cingapura, fecharam em agosto para execução em setembro de 2023 no valor equivalente a R$ 4,90/kg.

Na conta da competitividade, que ainda pesa para o Brasil, o frete marítimo internacional obteve queda de 15,25% e favoreceu ainda mais a importação. Mesmo com a elevação da Tarifa Externa Comum (TEC) para 10,8% pelo governo federal, a empresária Teresa Márcia pede por mecanismos para proteção do produtor nacional.

Sustentabilidade da atividade

Para produzir 3.369 quilos de coágulo por hectare, média de produtividade de suas áreas, a produtora reforça que uma série de exigências de sustentabilidade e transparência precisam ser cumpridos, de acordo com a lei brasileira.

Em conformidade com a legislação, a produtora consegue produzir mais que dobro da média brasileira e até mais que o México, país com maior produtividade, cuja seringueira rende 2.890 kg/ha.

“Agora, tem o mercado brasileiro inundado de pneu importado vindo dos países do sudeste asiático. Essa borracha que chega do exterior mais barata é produzida em áreas desmatadas, com mão de obra infantil e análoga à escravidão”, ela afirma.

O Brasil já chegou a figurar como maior produtor de borracha natural do mundo, mas hoje está em 11ª posição no ranking, contribuindo com 1% do total mundial, de acordo com a Associação de Produtores de Látex do Brasil (Apotex). A região Noroeste de São Paulo é responsável por 70% da produção nacional do produto, mas há cultivos também em outros estados do Sudeste, Nordeste, Centro-Oeste e Norte.

Para que a atividade continue sendo o sustento de extrativistas e trabalhadores em áreas plantadas, a entidade fala em retomar a taxa de importação a 40%, como já foi no passado. A cobrança pela borracha externa impacta diretamente nas famílias que dependem da matéria-prima. Um casal de sangradores relata que costumava faturar, juntos, 18 mil reais no período de alta produtividade das árvores. Hoje, a renda da família é de pouco mais de 5 mil reais.

Bayer 1

Floresta de seringueira no município de Colômbia, São Paulo

Sem a retomada da borracha natural na indústria brasileira, o risco é de desistência da atividade e substituição por outros cultivos. É o caso de algumas propriedades na região do município de Colômbia, que já derrubaram florestas de seringueira, levando inclusive ao êxodo rural, segundo Teresa Márcia.

“Para cada quatro hectares de árvores plantadas, precisamos de um trabalhador. Em relação à pecuária, empregamos 18 vezes mais. Sem a atividade não há renda, além do impacto ambiental dessa derrubada de árvores, com a emissão de carbono”, diz.

O setor pede que o governo federal retome a taxação de 40% à importação, como era no passado – além de reforçar a valorização da produção sustentável, fiel ao DNA brasileiro.

Por Exame

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