As ondas de calor intenso afetam também a produção brasileira de leite e carne. O País tem o maior rebanho bovino do mundo, com 234 milhões de cabeças, e é também o principal exportador de carne bovina. De acordo com o médico veterinário Alexandre Rossetto Garcia, pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste, 80% da produção brasileira de carne e leite estão concentrados na faixa intertropical, onde os efeitos das ondas de calor são mais intensos.
Mesmo o gado zebuíno, como o nosso nelore, adaptado ao clima mais quente, sai da zona de conforto quando a temperatura passa de 28 graus. “Sob alta temperatura, em condições de estresse calórico, o animal para de se deslocar para comer a fim de preservar sua energia, e acaba aumentando o estresse, que pode impactar sua saúde”, disse. Animais criados em pleno sol também vão 23% mais vezes ao bebedouro do que os da sombra, gastando energia nesses deslocamentos.
Estudos conduzidos por Garcia com gado em pastos sombreados e bois em áreas sob sol pleno mostraram que o boi da sombra descansa durante à noite. “Aquele que ficou no sol precisa andar à noite para se alimentar e passa mais tempo ruminando, o que gera mais calor, por isso começa o dia mais cansado. A produtividade deles é menor”, disse.
Ele pesquisa há 25 anos a exposição do gado às altas temperaturas. Um dos estudos já apontou que a radiação solar intensa pode afetar até a fertilidade das fêmeas. “Fizemos experimentos em vacas doadora de embriões e aquelas criadas em ambientes sombreadas tinham uma qualidade embrionária mais alta do que as que viviam em ambiente de pleno sol”, disse. As vacas criadas em condições de temperatura mais amenas, com melhores condições de termorregulação, também produziram leite de melhor qualidade.
O pesquisador Ricardo Pezzopane, também da Embrapa, lembrou que a onda de calor impacta também a qualidade dos pastos. “Se tiver chuva, o impacto do calor é neutralizado. Este ano, porém, entre setembro e outubro, tivemos duas ondas de calor no Sudeste em período seco, afetando bastante o potencial das pastagens com braquiária.” Os pastos que alimentam o gado podem ser impactados também de forma indireta, quando as condições do clima atrasam lavouras que entram na integração com a pastagem, como a soja e o milho.
Para reverter esse quadro, os pesquisadores da Embrapa apostam no uso de sistemas de produção integrada, como a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), para proporcionar conforto térmico e diminuir o estresse dos animais em sistemas convencionais. “Quando um animal sente desconforto devido ao calor, ele produz mais hormônio ligado ao estresse. Reduzir o risco de estresse é proporcionar bem-estar ao animal”, disse Garcia.
O pecuarista Invaldo Weis, da Fazenda Esperança, em Santa Carmem (MT), vê os efeitos do calor acima de 30 graus afetando o rebanho bovino de 3,7 mil cabeças. “A situação é grave, pois com o calorão e pouca chuva, mesmo com adubação o pasto não desenvolveu. Estou tratando no cocho com silagem e milho triturado, mas o gado está perdendo peso. Se não diminuir o calor, vai ficar complicado”, disse. A maior parte do rebanho é de matrizes com bezerros que começam a desmamar este mês. “Para tirar o bezerro do pé da vaca com esse calor, não dá. Minha esperança é a chuva”, disse.
Impactos das ondas de calor nas criações:
Principais impactos no rebanho bovino:
- Calor excessivo e pouca chuva afetam a qualidade das pastagens e o gado emagrece;
- Boi se alimenta menos e se desloca mais para o bebedouro, consumindo energia;
- A radiação solar afeta a qualidade dos embriões das fêmeas;
- Temperatura muito alta produz estresse, prejudica a produção de carne e leite e afeta o bem estar animal.
Frango de corte não engorda e galinha põe menos ovos
No caso dos frangos de corte e dos suínos, a analista Juliana Ferraz, do Cepea, lembra que a maior parte da produção está concentrada na região Sul do País, onde as temperaturas são mais amenas. “Não costuma haver impactos muito significativos nesses mercados, mas podem acontecer se as ondas de calor se intensificarem muito”, disse.
Temperaturas acima de 38 graus afetam o equilíbrio metabólico das aves e leva a perdas de desempenho, em um primeiro momento, e mortalidade de aves em casos severos, segundo o pesquisador Paulo Giovanni de Abreu, da Embrapa Aves e Suínos. A alta temperatura exige que o avicultor acione com mais frequência os equipamentos de ventilação e nebulização, sobretudo em aviários de corte, o que demanda maior consumo de energia e eleva os custos de produção.
As aves aglomeradas nos aviários de corte também emitem calor no ambiente. A faixa ideal para o desenvolvimento das aves, segundo ele, é de 20 graus. Frangos e galinhas abrindo o bico é um dos primeiros sinais do estresse térmico. Em Brasiléia, no interior do Acre, o avicultor Rosildo Freitas perdeu 1.070 frangos de corte devido à onda de calor que atingiu o Estado na primeira semana de novembro deste ano. O aviário não tinha sistema de exaustores e a temperatura chegou a 42 graus no interior da granja.
Em Cascavel, no Paraná, o avicultor Altamir Gomes perdeu 700 frangos em dois dias de temperatura em 38 graus.
A produção de ovos também é afetada. “A galinha sofre muito, mesmo com ventilador ligado. Come menos e diminui a produção e o tamanho dos ovos”, disse o avicultor Geraldo Filho, produtor de ovos caipiras, em Pereiras, no interior de São Paulo. De acordo com o Cepea, por ser um alimento perecível, os produtores também podem registrar perdas de ovos, se não houver escoamento rápido.
Principais impactos
- A ave deixa de se alimentar e há redução de peso corporal e queda na produção de ovos;
- Níveis de fertilidade mais baixo nas matrizes;
- Maior risco de surgimento de doenças;
- Aumento na mortalidade das aves e na perda de ovos em razão do calor excessivo;
- Impacto indireto com a redução da produção de grãos que compõem sua alimentação.
Por Estadão
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