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Mudanças na lei de recuperações judiciais colocam em risco financiamentos privados ao agro

29 de março de 2024

Avaliação é que o dinheiro vai ficar mais caro e alguns instrumentos serão "esvaziados"
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Mudanças na lei de recuperações judiciais colocam em risco financiamentos privados ao agro

Alterações aprovadas nesta terça-feira (26/3) pela Câmara dos Deputados na Lei de Recuperação Judicial e Falência (11.101/2005) podem desestabilizar o ambiente de financiamento privado do agronegócio, de acordo com análise do Instituto Brasileiro do Direito do Agronegócio (IBDA).

As mudanças, que atingem as garantias e os recebíveis de títulos agrícolas, como as Cédulas de Produto Rural (CPR) e os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs), já preocupam as tradings que fomentam o crédito a uma parcela significativa dos produtores rurais do país. A avaliação é que o dinheiro vai ficar mais caro e alguns instrumentos serão “esvaziados”.

O projeto de lei 3/2024, aprovado pelos deputados ontem e que seguirá para avaliação do Senado, muda a sistemática vigente dos” bens de capital essenciais” que não podem ser expropriados pelos credores ao longo do período de suspensão de ações e execuções em face do devedor, o stay period, comum em casos de recuperação judicial (RJ).

Atualmente, a lei impede que os “bens” de capital essenciais sejam executados judicialmente em favor do credor, como máquinas agrícolas, veículos, silos, pois eles são utilizados diretamente no processo produtivo.

O texto aprovado pelos deputados, porém, acrescentou que “ativos essenciais” à atividade empresarial também não poderão ser executados. No entendimento do IBDA, a nova expressão pode abarcar produtos agrícolas, como soja e milho, que passarão a ser protegidos pela lei e não poderão ser alvo de arresto, por exemplo, para o pagamento de dívidas.

“A preocupação setorial se concentra na expressão ‘ativos essenciais’, que deturpa a regra vigente e anula, por exemplo, recente entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que produtos agrícolas não constituem bens de capital, dado que são justamente o produto final da atividade de produção rural. Com a mudança, os produtos agrícolas podem ser avaliados como um ativo essencial em casos concretos”, diz uma análise feita pelo presidente do IBDA e sócio do VBSO Advogados, Renato Buranello.

Segundo ele, a ampliação da proteção legal a qualquer ativo considerado essencial ao devedor “entrega subjetividade e insegurança totais às recuperações judiciais” e “anula a importância de instrumentos de financiamento setorial” da cadeia de grãos, como as CPRs, pois autoriza o produtor rural que negociou antecipadamente a produção em troca de insumos e financiamento a não entregar o produto ao credor, “frustrando” os elos seguintes da cadeia agroindustrial.

“As possibilidades imprevisíveis de aplicação da proteção legal podem, ainda, afetar lastros de operações securitizadas, impedir o acesso pelos credores a recebíveis dados em garantia a títulos como o Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA), em prejuízo aos investidores desses papeis e, em visão ampla, maculando o próprio sistema privado de financiamento do agronegócio”, acrescentou.

Crédito mais caro

No setor privado, a avalição é que o crédito vai ficar mais caro, pois bancos e indústrias vão precificar o risco para cima. Títulos como as CPRs Físicas, com previsão de entrega de produto, podem ser esvaziados.

Com a proteção aos produtos agrícolas nas recuperações judiciais, que deram um salto de 535% no último ano, o agricultor poderá não entregar os grãos ao legítimo comprador e até revender para terceiros para geração de receita em momentos de dificuldades, ao alegar que a produção é um ativo essencial.

André Nassar, presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), disse que a alteração deixou as empresas muito preocupadas, pois a questão da essencialidade dos bens estava amadurecida e praticamente equacionada no judiciário, com a produção agrícola fora dessa proteção como forma de garantir os pagamentos aos credores.

“Toda a jurisprudência que estava sendo criada pode ser perdida. A tendência será o juiz aceitar a produção agrícola como ativo essencial. O impacto disso é que a produção vendida antecipadamente deixará de ser recebida pelo comprador”, afirmou.

Segundo ele, a mudança pode atrapalhar o fluxo de financiamentos no campo. “A tendência é parar de fazer pagamento antecipado, operações de barter, até que fique claro qual é o procedimento”, completou.

Nassar disse ainda que não são apenas as operações incluídas em recuperações judicias que correm risco. “Pode gerar impacto até nas operações diárias de retirada de produção nas fazendas vendida em contrato de entrega futura”, afirmou.

A votação acelerada do projeto, enviado em janeiro pelo governo ao Congresso Nacional, também foi criticada pelo IBDA. A última versão do relatório, da deputada Dani Cunha (União-RJ), foi apresentada no início da noite de terça-feira e aprovada apenas 17 minutos depois.

“Cabe ao Poder Legislativo refletir sobre a conveniência de votar de forma acelerada um projeto de lei que afeta temáticas absolutamente sensíveis e técnicas, sob pena de primeiro sepultar institutos jurídicos para, em seguida, fomentar escassez de crédito em setores fundamentais da economia”, diz a análise do instituto, em texto assinado também pelo advogado José Afonso Leirião Filho.

Por Globo Rural

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