A floresta amazônica é responsável pela remoção de 400 milhões de toneladas de carbono da atmosfera a cada ano. Entretanto, as mudanças
climáticas e o desmatamento na região podem transformar áreas de
sumidouros de CO2 em fontes emissoras.
Desenvolver um modelo de inteligência artificial para mensurar de que forma essas variáveis
ambientais, como umidade e radiação solar, impactam na quantidade de
carbono capturado na região foi o principal objetivo da pesquisa de
mestrado do cientista ambiental Lucas Bauer.
O estudo defendido em novembro passado foi realizado no programa
Análise Ambiental Integrada da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp), com apoio do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de
Efeito Estufa (RCGI), patrocinado pela Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo (Fapesp) em parceria com a Shell. Um resumo do
trabalho está no artigo Neural Network model for classification of net
CO2 fluxes scenarios in Tapajós Forest, in Amazon, publicado
recentemente.
O texto é assinado por Bauer e outros pesquisadores, a exemplo de
Luciana Rizzo, orientadora da dissertação e hoje professora do
Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), e também do
coorientador da pesquisa, Pedro Luiz Pizzigatti Corrêa, professor do
Departamento de Computação e Sistemas Digitais da Escola Politécnica
da USP. “Trata-se de um trabalho interdisciplinar que reuniu duas
áreas do conhecimento: as ciências atmosféricas e a ciência de
dados”, explica Rizzo, que integra o programa de pesquisa Greenhouse
Gases (GHG) do RCGI.
“Sabemos que a floresta amazônica presta um
importante serviço ambiental ao remover carbono da atmosfera, mas qual
seria esse grau de variabilidade, por exemplo, em anos secos ou
chuvosos? Foram perguntas assim que nortearam o estudo”.
Em buscas de respostas, Bauer fez um recorte na imensidão da floresta
amazônica, que ocupa 7,2 milhões de quilômetros quadrados (km²)
espalhados em nove países. No caso, o foco do pesquisador foi a
Floresta Nacional do Tapajós, no Pará, onde está localizada uma das
torres de monitoramento do projeto Experimento de Grande Escala da
Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA), desenvolvido desde a década de
1990 pelo governo federal e vinculado ao Instituto Nacional de Pesquisas
da Amazônia (Inpa).
Os dados registrados pela torre, disponíveis para consulta pública,
serviram de fonte para Bauer. “Os números refletem uma realidade
local, em um raio de cerca de 5 km. Mas nossa pesquisa é um primeiro
passo que deve, a longo prazo, ser extrapolada para uma escala regional
para quantificar o quanto a floresta amazônica, como um todo, consegue
remover de carbono da atmosfera”, conta Rizzo.
Os dados utilizados por Bauer cobrem o período de 2002 a 2005. “Vale
lembrar que a partir de 2005 o desmatamento passou por uma queda
significativa em função do desenvolvimento de políticas públicas
para combater esse problema”, prossegue Rizzo. “Infelizmente, nos
últimos seis anos essa taxa de desmatamento voltou a subir como
demonstram os dados do Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais].
Entretanto, a pesquisa não usou dados recentes, porque esses ainda não
foram disponibilizados para consulta”.
No estudo, o pesquisador também lançou mão de dados de dois
satélites da Nasa, a agência espacial norte-americana, que coletam
dados continuamente da atmosfera desde a da década de 2000 e
disponibilizam essas informações ao público. Os registros da Nasa
informam, por exemplo, o grau de espessura ótica de aerossóis. “Os
aerossóis são partículas em suspensão na atmosfera que interagem com
a radiação solar e interferem na remoção de carbono. Daí a
importância de incluir essa informação na pesquisa”, justifica
Rizzo.
Após reunir esses dados, Bauer desenvolveu um modelo de inteligência
artificial para estimar a troca de carbono naquela parte da floresta.
“No estudo ele utilizou a rede neural artificial [ANN, na sigla em
inglês], uma técnica de aprendizagem de máquina que consegue captar
essa não linearidade entre a variável de resposta, que seria a
remoção de carbono, e as variáveis preditoras, como umidade e
radiação solar, por exemplo”, explica Rizzo. “A rede neural simula
o processamento de informação do cérebro humano para obter um
conhecimento integrado a respeito de determinado cenário. As células
de processamento são espécies de neurônios que recebem, processam e
transmitem dados para outras células do sistema, criando assim uma rede
de informação”.
A construção do modelo representou um desafio ao longo da pesquisa.
“As trocas de carbono dependem de uma série de variáveis e o modelo
precisava captar isso”, aponta Rizzo. “Em geral, durante a estação
seca acontece maior incidência de radiação solar. Assim a floresta
consegue efetuar mais fotossíntese e, consequentemente, capturar mais
carbono da atmosfera. Mas, além da fotossíntese, há outras variáveis
que demandam atenção. O brotamento de folhas, por exemplo, não
depende exclusivamente de radiação solar: o pico do brotamento
acontece em julho, enquanto o auge de radiação solar costuma se dar em
setembro”.
Rizzo diz que a ideia é que o modelo de inteligência artificial
desenvolvido por Bauer possa ser utilizado para entender outros
contextos da floresta amazônica. “Nosso estudo está começando, mas
aponta para resultados bastante promissores. Identificamos as variáveis
preditoras com maior impacto na condição de sumidouro de carbono:
estação do ano, fluxos de calor e índice de área foliar”, diz
Rizzo. “Vale dizer que a ANN nunca havia sido aplicada para se
entender o contexto amazônico. Somos pioneiros nesse sentido”.
“O país precisa quantificar de fato o quanto a Amazônia remove de
carbono porque trata-se de um serviço ambiental fundamental não apenas
para o Brasil como para o planeta”, observa a pesquisadora. “Com a
evolução do mercado de carbono, nosso país poderia lucrar
financeiramente por causa desse serviço. Ou seja, a floresta em pé é
muito valiosa”, conclui Rizzo.
Por: RCGI
Leia outras notícias no portal Mundo Agro Brasil