Geraldo Borges é produtor de leite e desde a criação da ABRALEITE, em 2017, está na liderança da entidade. Sua gestão vem sendo marcada por atividade intensa não só junto às instâncias representativas (Congresso Nacional) e governamentais, em Brasília, mas também por todo o Brasil, buscando promover o setor leiteiro. Ele acredita que avanços da competitividade se darão na luta conjunta de todos os elos da cadeia do leite.
Balde Branco – Em nome da Balde Branco, eu queria cumprimentar você e todo o pessoal da ABRALEITE pela conquista dos troféus Agroleite 2024, que foram altamente merecidos.
Geraldo Borges – Nesses sete anos da ABRALEITE, a gente vem desde 2018 como finalista, e a entidade nunca foi contemplada. Este ano foi um presente bacana pra gente, porque eu ganhei também como “Personalidade do Ano” pela segunda vez. Para nós, isso representa um importante reconhecimento de nosso trabalho.
BB – Sabemos que, nesses sete anos, a ABRALEITE tem um trabalho forte, atuando em diversas frentes em prol da classe produtora. O senhor poderia fazer, resumidamente, “um antes e depois”, a partir das ações da entidade?
GB – Muitas mudanças ocorreram, e ocorrem, nas duas últimas décadas na cadeia produtiva do leite. Desde o primeiro momento de sua criação, a ABRALEITE tem sido muito atuante em diversas dessas mudanças. O site da entidade disponibiliza todas as informações e documentos desses trabalhos e conquistas. Às vezes, algumas dessas mudanças não transparecem de pronto para a sociedade e para o público do setor, pois a transformação vai acontecendo de forma lenta, de médio e longo prazo, mas são fundamentais.
BB – Destaque algumas que demonstram as realizações da entidade.
GB – Até a criação da ABRALEITE, não tínhamos uma entidade de classe que representasse nosso produtor de leite, vamos dizer, em âmbito nacional. A Leite Brasil, que nós incorporamos, tinha uma atuação maior em São Paulo. Já a ABRALEITE, com sede em Brasília, centro nevrálgico da política nacional, passou a ter uma abrangência nacional, como as outras representações congêneres de diversos setores do agro, tanto dos produtores quanto dos industriais. Com a representação em Brasília, ela está presente, todas as semanas do ano, nos ministérios, na Câmara, no Senado, no Governo Federal, com seus vários órgãos, Casa Civil e Palácio do Planalto. Isso mostrou para todos nós que a nossa classe merece esse trabalho.
A ABRALEITE vem propondo, acompanhando, e já conseguiu transformar projetos de lei em lei. Hoje, há mais de 100 projetos de lei, de interesse do setor leiteiro, em discussão na Câmara e no Senado. Temos em torno de 35 pleitos em tramitação junto ao Governo Federal. Citando apenas alguns, já concluídos, em que a ABRALEITE atuou fortemente: o Selo Arte, para queijos e demais produtos artesanais; regulamentação do Leite A2; regulamentação da criação e comercialização interna e exportação de vitelos; entre vários outros. Ressalvamos que muitas dessas tramitações demoram bastante.
BB – Também nas questões de impacto financeiro na atividade leiteira, a ABRALEITE tem trabalhado de maneira frequente, não?
GB – A ABRALEITE tem atuado em prorrogações coletivas de dívidas dos produtores de leite em momentos críticos, como problemas climáticos, crise do setor etc., em tratativas junto ao Governo Federal e instituições financeiras. Temos sempre acompanhado os Planos Safras, apresentando sugestões, pedindo a redução dos juros, uma série de coisas, em benefício dos produtores. Este ano, pelo menos no Ministério do Desenvolvimento Agrário, no Plano da Agricultura Familiar, conseguimos benefícios para a pecuária leiteira. Outro trabalho é em prol da isenção de impostos sobre equipamentos e produtos importados, como robôs, ordenhadeiras, conjuntos de insufladores, teteiras, borracha, entre outros.
Essas ações são em conjunto com indústrias fornecedoras de produtos à pecuária leiteira, com pleitos ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), ao Ministério da Agricultura e outros órgãos governamentais. A ABRALEITE, juntamente com várias instituições, como a OCB, CNA, atuou para a revogação da Resolução Gecex 317/22, para que voltasse a cobrança da alíquota de importação (28%) do queijo muçarela. Tem ações da ABRALEITE também em âmbito estadual, como o caso da supressão do ICMS sobre o leite no estado de São Paulo, o maior mercado consumidor do Brasil e que costuma criar tendências, para servir de modelo, e até regra, para outros estados.
BB – Como o senhor encara o combate às “fake news” contra o leite e as marcas de produtos de origem vegetal que usam no rótulo a palavra leite?
GB – Sempre trabalhamos fortemente contra “fake news”, processando, executando, mandando notificações extrajudiciais direcionadas a artistas, celebridades, blogueiros, que falam asneiras e inverdades sobre o leite e a pecuária leiteira, sem conhecimento de causa nem embasamento científico. Isso prejudica a imagem do produto “leite” e a dignidade de uma classe fundamental da economia, que produz um alimento tão nobre. E acionamos judicialmente Quem não for eficiente e não tiver uma relação melhor entre entrevista marcas que usam impropriamente a palavra “leite” em seu produto de origem vegetal.
BB – O segmento do leite vem passando, novamente, por crises que o afetam fortemente. Ante tal situação, qual o caminho para o produtor, sobretudo o pequeno, enfrentá-las e o que está a seu alcance fazer?
GB – A gente sabe que há produtores ineficientes, sem tecnificação, sem produtividade, que têm dificuldade de permanecer na atividade neste momento. Num futuro próximo, eles não conseguirão permanecer na atividade. Isso porque existe uma forte competitividade internacional, que se revela justamente nos momentos de crise, como aconteceu em 2023 e está acontecendo hoje, com as importações batendo recorde.
Então, quem não for eficiente e não tiver uma relação melhor entre custos e receitas não vai conseguir se manter na atividade. O pequeno tem que pensar em ser médio, o médio pensar em ser grande e o grande cada vez maior. Vale entender que existem também outras opções, como a agregação de valor à atividade, que é o caso do leite A2, o da produção de queijos e lácteos artesanais. A ABRALEITE sempre atuou muito forte nesse aspecto e também para estimular o segmento do leite orgânico.
Ocorreu um retrocesso, nos últimos três anos, com a saída de algumas empresas de laticínios do mercado de orgânicos, mas é um nicho de potencial promissor, a exemplo do que acontece em outros países. Reforçando um pouco mais: agregar valor é uma alternativa para pequenos produtores que não conseguem ter assistência técnica, não conseguem se tecnificar e crescer para continuar na atividade.
Então, a saída pode ser a produção artesanal de queijos e outros lácteos de qualidade. Já temos incontáveis exemplos de sucesso de pequenos produtores familiares, de diversas regiões do país, na área de queijos artesanais, que, inclusive, conquistaram prêmios nacionais e internacionais pelo diferencial e qualidade de seus produtos. A ABRALEITE, desde o início, sempre deu muita atenção, ajudando a se estabelecerem. Inclusive, não só na área de regulamentação, na legislação (Selo Arte), mas também na participação em eventos regionais e nacionais para propagação e valorização desses produtos.
BB – Para a classe produtora, qual a importância das cooperativas e associações de produtores regionais?
GB – Acho fundamental, e isso está nas entrelinhas de muitas coisas que já falei aqui. A ABRALEITE incentiva que os produtores sejam cooperados e participem de suas cooperativas, ou mesmo de associação regional, para que façam juntos compras de insumos, em melhores condições de negócio, e que vendam o leite coletivamente. Assim ganham mais competitividade e mais força de barganha nas negociações com laticínios, dando maior volume de leite entregue. Tanto é assim que, do conselho e diretorias da ABRALEITE, participam vários dirigentes de importantes cooperativas e associações regionais, escolhidos por votos dos associados, e não nomeados pela presidência.
BB – A relação produtor x indústria sempre foi conturbada. O senhor acha que tem havido alguma melhora?
GB – É um dos nossos maiores desafios, porque precisam amadurecer. As partes têm que se comunicar melhor e devem evoluir na contratualização. Seja no caso de médios e grandes produtores, que negociam diretamente com a indústria, seja no caso de pequenos, que se organizam em associações regionais, é necessário um contrato que beneficie ambas as partes, que dê segurança aos dois lados. Um precisa da matéria-prima com regularidade e o outro precisa de um pagamento justo.
Assim, cria-se mais transparência e menos embate, graças a contratualizações bem-feitas e estabelecidas de forma, vamos dizer, espontânea por ambas as partes. Obviamente, alguém precisa dar o pontapé inicial. Seria muito bom que as partes interagissem mais, querendo a mesma coisa, que seja boa para toda a cadeia. Há muito ainda a ser feito, pois o índice de contratualização e bom relacionamento é baixíssimo. E, para isso, esses contratos têm de se basear em dados concretos, como os do Cepea e Conseleites.
Também é preciso melhorar muito a relação entre elo do segundo setor com o terceiro, ou seja, quem industrializa com quem comercializa, que também é muito ruim. Há muitas reclamações das indústrias e das cooperativas em relação ao segmento varejista.
BB – E quanto à grave questão das importações de leite, qual pode ser a saída, em sua visão, para o setor leiteiro?
GB – Há o Mercosul, que engessa qualquer, vamos dizer assim, intervenção do Executivo, do Governo Federal. Temos de obedecer a uma norma, um tratado entre os países do Mercosul, que também está sob o guarda-chuva da Organização Mundial do Comércio, a OMC. Então, todo esse barulho que existe sobre essa cobrança que nós, entidades de setor e produtores, fazemos, ela é necessária, porque a gente tem que mostrar que está vivo, que está ali cobrando, atentos, pedindo atenção do Governo Federal. Mas entendemos que são dois caminhos que precisam ser muito trabalhados continuamente.
Um deles é aumentar a competitividade da nossa cadeia produtiva, a competitividade que tem que melhorar, não é só do produtor. Nós, produtores, não gostamos de ver o dedo na nossa cara dizendo “ah, vocês têm de ser competitivos, vocês têm de melhorar”. Na verdade, é a cadeia como um todo que precisa avançar em conjunto nesse aspecto. O Brasil tem uma captação de leite das mais caras do planeta, devido a uma série de fatores que a gente conhece. É um país continental, com produção de leite em 98,8% dos municípios, segundo o IBGE, muita pulverizada, o que torna a captação muito onerosa.
Outro problema grave do setor é a cascata de tributação muito grande, desde os insumos que o produtor usa para produzir, passando por todo o custo de produção, pelos transportes, a logística de captação, logística de distribuição, até a industrialização, que também tem insumos muito onerados. Tudo isso tem de mudar. É preciso dispor de uma cadeia mais competitiva para que o produto final tenha preço competitivo comparativamente aos países exportadores, como é o caso do Uruguai e da Argentina, aqui no Mercosul, e da Nova Zelândia, que exporta muito para a Ásia, e é o maior exportador mundial.
Precisamos produzir com maior eficiência e, quando digo produzir, não me refiro só ao setor primário, e sim à cadeia toda, ou seja, produzir um produto final, que passou por todas as fases, produção, transporte, industrialização, transporte, distribuição e comercialização, chegando competitivo não só nas gôndolas aqui do Brasil, mas também em condições de ser exportado. Assim, poderemos sair deste cenário de uma década em que o país não cresceu na produção de leite nem no consumo interno de lácteos.
Enfim, a gente precisa aumentar a produção com maior competitividade e ter excedentes para exportar com preços competitivos. Precisamos seguir o exemplo de outros setores do agro brasileiro, que têm cadeias exportando 20%, 30% do que produz, e mantém o país totalmente abastecido. E é isso que deve acontecer na cadeia láctea. Daí ser necessário lutarmos por diversas mudanças continuamente. E o Governo Federal também pode fazer muito nesse aspecto, pois é lógico que essa competitividade passa pelo governo, muitas das coisas que citei passam pelo Executivo, outras passam por projetos de lei, que precisam ser trabalhados num esforço conjunto de todos os elos da cadeia produtiva.
Há também o problema da competição desleal, como a questão dos subsídios que ocorrem em alguns países. Então, são duas coisas, basicamente: aumentar competitividade do setor, da cadeia toda, volto a repetir, não é só do produtor de leite; e estarmos atentos às práticas desleais de comércio internacional.
BB – Para encerrar, deixe um recado para o produtor de leite.
GB – Gostaria de lembrar que a ABRALEITE conseguiu a sanção da lei que instituiu o Dia Nacional do Produtor de Leite, no dia 12 de julho de cada ano. Isso não é uma forma apenas de homenagear o produtor de leite, que vemos como um guerreiro merecedor de muitos elogios. É uma data que marca também mais uma opção de trabalho em prol do produtor de leite, para que a gente consiga, nessa comemoração, fazer com que a iniciativa privada e pública, em todas as esferas, municipal, estadual e federal, possam elaborar atividades, programas, projetos e ações, principalmente, em prol desse setor. Ele precisa ser lembrado, não somente lembrado, mas também precisa ter o seu futuro trabalhado.
Por Revista Balde Branco
Leia outras notícias no portal Mundo Agro Brasil