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A dignidade do alimento

A influência de várias variáveis resultou numa alta inflacionária de alimento em todo o mundo, assim, como consequência do aumento de custo para a produção, aumentou a quantidade de pessoas em situação de insegurança alimentar
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A dignidade do alimento

A seca, frentes frias rápidas, irregularidade e diminuição de chuvas somadas às elevadas temperaturas tem prejudicado as lavouras, principalmente nos Estados do Sul do país e MS.

Dados da FecoAgro preveem no RS um prejuízo em torno de R$ 20 bilhões. No PR, segundo o Deral, um prejuízo de R$ 22,5 bilhões. Em SC, informação da Secretaria da Agricultura sinaliza perdas de R$ 1,5 bilhão. No MS, apenas na cultura da soja, o dano já ultrapassou R$ 1,6 bilhão.

Significa menos recursos alimentando a economia. Significa os impactos imprevisíveis do meio ambiente como o La Niña.

E menor produção, gera maior preço para produção de frangos, por exemplo, como no caso de frustração na produtividade do milho, que aumenta o custo das rações, gerando maior preço para o consumidor, nos afetando diretamente.

Olhando para a cultura cafeeira de MG, observamos que a seca prolongada seguida de geadas no ano passado, afetou 47% das áreas de café, comprometendo a produtividade desta safra que iniciará a partir de maio de 2022. Segundo a Safra Cafeeira, estima-se que apenas 10% esperam uma alta produção, 47% uma produção média e 43% baixa produção.

Como característica desta cultura, as pequenas propriedades (menores que 50 hectares), representam 93% de todos os cafeicultores, sendo 80% com áreas menores que 20 hectares, influenciando negativamente toda uma cadeia de compradores e vendedores em diferentes setores, que irão consumir menos e contratar menos mão de obra temporária no período da colheita.

E, não olhando apenas para o Brasil, vemos países vizinhos como o Uruguai, Argentina e Paraguai sofrendo também as consequências do clima adverso.

Para tornar o cenário complexo, a invasão da Rússia está afetando os preços do trigo. Segundo a Abitrigo, a Rússia junto com a Ucrânia, representam 30% de todo o mercado mundial, que corresponde a 210 milhões de toneladas e, dificuldades como a movimentação de navios naquela região em função do conflito, o que tem mantido o preço desta comoditie elevada.

Mesmo com a Argentina sinalizando que irá produzir quantidade suficiente de trigo na safra de inverno para abastecer o Brasil, há impactos altistas nos preços, além da volatilidade, da dificuldade de prever o quanto este cenário impacta o preço que tem como uma variável, o tempo que este conflito irá durar ou que consequências irão gerar o pós conflito, como o tempo de recuperação de uma nação.

Para tornar o cenário mais complicado, temos dúvidas quanto a disponibilização de fertilizantes em tempo hábil para a próxima safra, principalmente o Cloreto de Potássio. Mesmo não tendo sido incluído na lista de países que sofrerão embargos por parte da Rússia, gera internamente um aumento no valor deste insumo básico, por externalidades como transporte da matéria prima, fundamental para alcançar toda a produtividade que as boas sementes têm potencial de produção. O Brasil importa em torno de 85% dos fertilizantes e a Rússia representa 23% das importações brasileiras.

Em função desta dependência e da nossa competência e áreas disponíveis (Ex.: pastos degradados, Integração Lavoura, Pecuária, Floresta) para produção de alimentos, o Governo Federal elaborou o Plano Nacional de Fertilizantes, buscando reduzir a dependência de 85% para 45% até 2050.

Buscando atender a necessidade da nova safra, a ex-Ministra da Agricultura Tereza Cristina informou que, praticamente, a guerra inviabilizou o embarque de fertilizantes da Rússia e Belarus, devido a não movimentação de navios que se dirigem para lá, pois as seguradoras não estão aceitando correr este risco. Informou também que temos 03 meses de estoques e tem negociado com o Canadá e Irã para abastecer o mercado interno, condição vital para um setor que representa 27% do PIB.

Há também a questão de agroquímicos, que tiveram atrasos no ano passado e irão sofrer atrasos nesta safra, devido a China ter praticamente fechado as fábricas durante os jogos de inverno, mitigando a poluição, escassez de contêineres e menor movimentação de navios, causando um aumento de custo dos fretes, além do aumento no custo da energia elétrica e petróleo. Há também o impacto da desvalorização da nossa moeda que torna os preços dos insumos mais elevados.

A influência destas variáveis que não estão sob o nosso controle, resulta numa alta inflacionária principalmente de alimentos em todo o mundo.

E como consequência do aumento de custo para a produção de alimentos, magnificada pela pandemia da Covid, que geraram desempregos, mortes, perda sensível de recursos financeiros, aumentou a quantidade de pessoas em situação de insegurança alimentar.

O índice de Preços de Alimentos registrou o maior aumento em 10 anos: + 28,1% comparado ao ano anterior (Fonte: FAO).

De acordo com a PUC PR, com base em fevereiro, a inflação acumulada nos últimos 12 meses dos alimentos que compõe a cesta básica aumentou 12,67%. Destes, 13 alimentos tiveram um impacto maior, como o café (crescimento de 61,19%) e açúcar (+ 36,30%).

As perspectivas futuras não são otimistas, afetando principalmente a população mais carente. Segundo a FIPE, este aumento já impactou o mês de março e irá afetar também o mês de abril, refletindo no IPCA.
A FAO alerta que fatores como alto custo de insumos básicos para a produção de alimentos, a continuidade da pandemia e as condições climáticas adversas, tornam 2022 um ano difícil para ser otimista.

Com o aumento do desemprego, do trabalho informal, da subocupação que representa hoje 32 milhões de pessoas no Brasil, afetando principalmente as mulheres pretas ou pardas, além da população de menor nível escolar (Fonte: IBGE, PNAD e Síntese de Indicadores Sociais – 2021), necessitaremos de ações públicas de resultado imediato para resolver ou mitigar a fome da nossa população.

Segundo o IPEA, no 4º trimestre do ano passado, o mercado de trabalho atingiu o triste recorde desde que foi iniciado o levantamento, de 30,3% do total de desempregados, que representa 12,1 milhões que procuram emprego a 02 anos ou mais.

Em 2021 o Brasil voltou ao Mapa da Fome (índice global quando um país alcança mais de 5% de sua população passando fome). Hoje estamos em 9%. Em apenas 02 anos, saímos de 10,3 milhões de pessoas para 19,1 milhões.

Segundo o Datafolha, em dezembro de 2021, 15% dos brasileiros ou 32 milhões de pessoas deixaram de fazer alguma refeição e 26% ou 56 milhões de brasileiros haviam se alimentado menos do que necessitavam, por falta de renda.

Pesquisa do DIEESE demonstrou que no ano de 2021 a maioria absoluta das categorias não conseguiram sequer repor as perdas inflacionárias e, com o achatamento do salário, há menor consumo, afetando várias cadeias produtivas, impactando na recuperação econômica.

O desafio passa por políticas inclusivas, maior e melhor distribuição de renda, programas sociais de transferência de renda, programas de capacitação, seja ela privada ou governamental, visando transformar este tema tão sensível como prioridade, pois uma população faminta não tem condições de ser eficaz, de produzir resultados consistentes, de ter acesso e capturar novos conhecimentos, de ter dignidade, onde a prioridade, dentro da Hierarquia de Necessidades de Maslow, a motivação básica, é simplesmente sobreviver ou ter motivação fisiológica como diz a Teoria.

E fica para reflexão:

  • No ano de 1.800 éramos 1 bilhão de habitantes em todo o mundo. Hoje somos 7,9 bilhões (Fonte: Worldometer). Em 2050 seremos 9,7 bilhões (previsão ONU), com a ressalva que um aumento médio de 1,5ºC na temperatura é suficiente para influenciar a saúde do ser humano, além de 1 bilhão de habitantes que moram em zona costeira ou de baixa latitude que infelizmente terão de conviver com riscos climáticos (Fonte: IPCC).
  • Estimativas da FAO, prevê que o Brasil necessitará aumentar sua produção em 40% para suprir a demanda em 2050.
  • Somos o 2º maior exportador de alimentos. O campo fez e faz a sua parte, tendo ampliado sua produção de grãos. Entre 1975 e 2017, a produção era de 38 milhões de toneladas e, em 2017 de 236 milhões de toneladas, crescendo 6,2 vezes o que produzia em 1975. enquanto a área plantada apenas dobrou (Fonte: EMBRAPA).
  • É um setor que está cada vez mais preocupado com a pauta ESG, com a perenidade de suas exportações, da produção de alimentos seguros.
  • Não há falta de alimentos: Há falta de dinheiro para ter acesso aos alimentos para saciar a fome….

Por Mario Fujii
Gerente de logística do inpEV

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