As soluções para desenvolver a região da Amazônia de forma sustentável passam pelo incentivo à bioeconomia, pela entrada no mercado de crédito de carbono e pela melhora na produtividade da pecuária realizada nas áreas já desmatadas. Essas são algumas das propostas traçadas por pesquisadores no livro Amazônia 2030 – Bases para o desenvolvimento sustentável, lançado nesta sexta-feira, 10, pelo projeto Amazônia 2030.
O livro é uma síntese do trabalho de mais de 80 pesquisadores de diferentes instituições, que resultou em 60 relatórios publicados pelo projeto Amazônia 2030, que tem o economista José Alexandre Scheinkman, professor da Universidade de Columbia, como colaborador sênior.
O Amazônia 2030 busca propostas para que a região alcance um nível maior de desenvolvimento econômico e humano, ao mesmo tempo que atinja o uso sustentável dos recursos naturais em 2030.
Na obra, os pesquisadores debatem, entre outros temas, o que chamam de paradoxo amazônico: a tese de que elementos de crise tornaram-se oportunidades de desenvolvimento para a região.
O pré-requisito para as políticas para a região, segundo os pesquisadores, é chegar no desmatamento zero e em um ordenamento territorial. “De outra forma, não haverá como aumentar a produtividade regional nem como atrair bons investimentos para a região. Também não será possível aproveitar as oportunidades relacionadas à bioeconomia e à restauração florestal nem garantir a provisão e a remuneração pelos serviços ecossistêmicos prestados pela floresta”, dizem os pesquisadores.
Segundo a obra, há 143,6 milhões de hectares de terras públicas na Amazônia sem informação sobre sua destinação.
Para aprofundar as propostas e recomendações para desenvolver economicamente e de forma sustentável a região, os autores partem de um desenho da Amazônia Legal que a divide em cinco macrozonas. A intenção é propor soluções específicas para cada uma delas, diferenciadas com base na cobertura vegetal remanescente.
Há, pela classificação estabelecida pelos estudiosos, a Amazônia florestal; a Amazônia florestal sob pressão; a Amazônia desmatada (era originalmente florestada, mas já perdeu grande parte de sua cobertura); a Amazônia não florestal (ocupada por vegetação de cerrado e campos naturais) e a Amazônia urbana.
As zonas florestadas são municípios que tinham mais de 50% do território originalmente composto por floresta. Na Amazônia florestal, só 5% da cobertura original foi desmatada. Na Amazônia florestal sob pressão, mais de 75% do território ainda é de floresta, mas há desmatamento recente em ritmo acelerado. Na Amazônia florestal desmatada, os municípios já perderam mais de 70% da floresta original, excluídas as zonas de Áreas Protegidas (APs).
Propostas
Para a Amazônia sob pressão, que corresponde a 29% do território analisado, é considerado prioridade o combate à grilagem de florestas públicas, com fiscalização ostentiva contra o desmatamento ilegal. Os pesquisadores também indicam ser “essencial avançar no ordenamento territorial”, em duas frentes: evitar mudanças no marco legal de terras que possam legitimar a grilagem de terras públicas e, simultaneamente, assegurar a proteção de florestas públicas, transformando-as em Áreas Protegidas.
Ainda para a Amazônia sob pressão, o livro sugere que seja oferecida assistência técnica e crédito para os pequenos agricultores, para melhorar o uso da terra nas áreas que já foram desmatadas.
Nas áreas da Amazônia desmatada e da Amazônia não florestal, os pesquisadores sugerem como propostas a melhoria da produtividade agropecuária e a regularização fundiária. No primeiro caso, a maior parte das áreas que já foram desmatadas está subutilizada ou abandonada.
A área já desmatada, segundo a obra, corresponde a cerca de 85 milhões de hectares. “Essa imensa área pode abrigar toda a demanda projetada pelo governo brasileiro para a produção agropecuária até 2030. E ainda sobrariam áreas para outros usos, sobretudo para o promissor mercado de restauração florestal (plantio de árvores nativas em áreas desmatadas para recuperar a floresta original)”, escrevem os pesquisadores.
“Devemos concentrar esforços para aproveitar melhor essas áreas com o aumento da produtividade por meio da adoção das melhores práticas agrícolas”, continuam.
A maior parte do território desmatado (73%) é destinada à pecuária atualmente. A segunda maior parte das áreas está com vegetação secundária, que surgiu após abandono ou degradação do local. Atrás disso vêm o uso para agricultura (7 milhões de hectares) ou reflorestamento (300 mil hectares).
“Nossa escolha agora é o que fazer com a imensa área desmatada que está atualmente ocupada por pastagens de baixa produtividade. Sem ganho de produtividade da pecuária, a demanda adicional de carne e produtos agrícolas pode aumentar o desmatamento em cerca de 13 milhões de hectares, o que agravaria ainda mais os riscos climáticos e socioeconômicos para o Brasil”, escrevem os pesquisadores.
Os quatro eixos das propostas para a Amazônia desmatada são: regularização fundiária, melhoria da qualidade de infraestrutura e serviços de educação e saúde, intensificação da agropecuária com melhor uso da terra e também restauração florestal, com foco no mercado de crédito de carbono. As mesmas sugestões são feitas para as áreas de Amazônia não florestal, onde predomina o cerrado.
Florestal
Para a área da Amazônia florestal, que corresponde a 39% do território e diz respeito às áreas mais conservadas, a proposta do livro é “priorizar a conservação da floresta com ganhos sociais e econômicos”. Isso implica apoio à bioeconomia, investimento em pagamento por serviços ambientais e aumento das exportações de produtos como açaí, castanhas, peixes, frutas tropicais, cacau e pimenta do reino.
O mercado desses produtos, segundo o levantamento, movimenta mais de US$ 170 bilhões por ano (o equivalente a R$ 850 bilhões) e está em expansão. A Amazônia Legal, no entanto, tem uma participação de apenas 0,2% nesse mercado.
Para a região com área florestal preservada, os pesquisadores indicam que é preciso melhorar a infraestrutura, com alternativas de acesso e logística através do transporte fluvial. Também indicam que é necessário investir em energia renovável para a região, ainda dependente de energia fóssil, além de investir em infraestrutura de internet banda larga.
Por fim, e ainda para a zona de Amazônia florestal, o livro aponta que é necessário implementar as APs que já existem e criar novas áreas de proteção nas florestas públicas que não estão destinadas atualmente — que correspondem a território equivalente ao Estado de Minas Gerais.
Urbana
A maior parte da população da Amazônia Legal (76%) vive em zonas urbanas, com infraestrutura e serviços públicos precários, na comparação com o restante do País. Há 21,7 milhões de brasileiros nessas cidades e a maioria dos empregos da região está nas zonas de Amazônia urbana. Só 17% trabalham na agropecuária.
As propostas dos pesquisadores para a Amazônia urbana, portanto, se concentram na melhoria das condições de vida para a população (com garantia de acesso a saneamento básico, abastecimento de água, acesso a internet de qualidade, melhora na mobilidade urbana e fluvial) e no investimento em qualificação profissional.
O livro aponta que as propostas não são excludentes e algumas delas podem ser adotadas em todas as zonas da Amazônia Legal, caso do mercado de carbono através do mecanismo de redução de emissões por desmatamento e degradação e da criação de áreas protegidas.
“Num momento em que crescem os riscos ligados ao aquecimento global, o que deveria ser um ativo do Brasil passou a ser um vergonhoso passivo reputacional e econômico. Mas agora, após um período de trevas, os ventos estão virando para a Amazônia. Vem, portanto, em boa hora o extraordinário projeto Amazônia 2030, que venho acompanhando com entusiasmo e admiração desde o início”, escreve o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, no prefácio da obra.
“Este livro mostra o tamanho do desafio que terá de ser enfrentado, mas mostra também que é possível virar o jogo”, sintetiza.
Por Estadão
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